Garrafa de uísque na penteadeira.
Fafá de Belém antiga no toca-discos (escolha do tenista-dourado, o negro queria Alcione), cinzeiro transbordante na mesinha de cabeceira.
Tirou tudo, jogando para os lados.
Menos a meia de seda negra, com costura atrás, e os sapatinhos vermelhos.
Nua, jogou-se na colcha de chenile rosa, as pernas abertas.
Eles cercaram lentos, jogando as zorbas sobre o crepe negro.
O negro veio por trás, que gostava assim, tão apertadinho.
Ela nunca tinha feito, mas ele jurou no ouvido que seria cuidadoso, depois mordeu-a nos ombros, enquanto a virava de perfil, muito suavemente, molhando-a de saliva com o dedo, para que o mais baixo pudesse continuar a lambe-la entre as coxas, enquanto o tenista-dourado, de joelhos, esfregava o pau pelo rosto dela, até encontrar a boca.
Tinha certo gosto também de pêssego, mas verde demais, quase amargo, e passando as mãos pelas costas dele confirmou aquela suspeita anterior de uma penugem macia num triângulo pouco acima da bunda, igual ao peito, acinzentado pelo amanhecer varando persianas, mas certamente dourado luz do sol.
Foi quando o negro penetrou mais fundo que ela desvencilhou-se do tenista-dourado para puxar o mais baixo sobre si.
Ele a preencheu toda, enquanto ela tinha a sensação estranha de que, ponto remoto dentro dela, dos dois lados de uma película roxa de plástico transparente, como num livro que lera, os membros dos dois se tocavam, cabeça contra cabeça.
E ela primeiro gemeu, depois debateu-se, procurou a boca dourada do tenista – dourado e quase, quase chegou lá.
Mas preferia servir mais um uísque, fumar mais um cigarro, sem pressa alguma, porque pedia mais, e eles davam, generosos, e absolutamente não se espantar quando então invertiam-se as posições, e o tenista-dourado vinha por trás ao mesmo tempo que o mais baixo introduzia-se em sua boca, e o negro metido dentro dela conseguia transformar os gemidos em gritos cada vez mais altos, fodam-se os vizinhos, depois cada vez mais baixo novamente, rosnandos, grunhidos, até não passarem de soluço miudinhos, sete galáxias atravessadas, o sol de Vegas no décimo quarto grau de Capricórnio e a cara afundada nos cabelos pretos encaracolados do negro peito largo dele.
De outros jeitos, de todos os jeitos: quatro,cinco vezes.
Em pé, no banheiro, tentando aplacar-se embaixo da água fria do chuveiro.
Na sala, de quatro nas almofadas de cetim, sobre o sofá, depois no chão.
Na cozinha, procurando engov e passando café, debruçada na pia.
Em frente ao espelho de corpo inteiro do corredor, sem se chocar que o mais baixo de repente viesse também por trás do tenista-dourado dentro dela, que acariciava o pau do negro até que espirrasse em jatos sobre os sapatos vermelhos dela, que abraçava os três, e não era mais Gilda, nem Adelina nem nada.
Era um corpo sem nome, varado de prazer, coberto de marcas de dentes e unhas, lanhados de tocos de barbas amanhecidas, lambuzadas de leite sem dono dos machos das ruas.
Completamente satisfeita.
E vingada.
Quando finalmente se foram, bem depois do meio-dia, antes de jogar-se na cama limpou devagar os sapatos com uma toalha de rosto que jogou no cesto de roupa suja.
Foi o néon, repetiu andando pelo quarto, aquelas luzes verdes, violetas e vermelhas piscando em frente à boate, foi o néon maligno da Sexta-Feira Santa, quando o diabo se solta porque Cristo está morto, pregado na cruz.
Quando apagou a luz, teve tempo de ver-se no espelho da penteadeira, maquilagem escorrida pelo rosto todo, mas um ar de triunfo escapando do meio dos cabelos soltos.
Acordou no Sábado de Aleluia, manhã cedo, campainha furando a cabeça dolorida.
Ele estava parado no corredor, dúzia de rosas vermelhas e um ovo de Páscoa nas mãos, sorriso nos lábios pálidos.
Não era preciso dizer nada.
Só sorrir também.
Mas ela não sorria quando disse:
— Vai embora. Acabou.
Ele ainda tentou dizer alguma coisa, aquele ridículo terno cinza.
Chegou mesmo a entrar um pouco na sala antes que ela o empurrasse aos gritos para fora, quase inteiramente nua, a não ser pelas meias de seda e os sapato vermelhos de saltos altíssimos.
Havia um cheiro de cigarro e bebida e gozo entranhado pelos cantos do apartamento, a cara ressacada dela, manchas roxas de chupões no colo.
Pela primeira, única e última vez ele a chamou muitas vezes de puta, puta vadia, puta escrota depravada e pervertida.
Jogou o ovo e as rosas vermelhas na cara dela e foi embora para sempre.
*Trecho do conto Os sapatinhos vermelhos, publicado em Fragmentos. Pontuação adaptada.
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