quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Rio, 13 de agosto de 1946.

Clarice querida,

Muito obrigado pelo seu cartão-postal de Berna. Espero que vocês se tenham dado bem aí: que não lhes aconteça o mesmo que ao Ribeiro Couto, de quem acabo de receber uma carta melancólica – tão melancólica e desanimada que me espantou. Parece que o poeta anda abafado com as sombras do Jura. Até voltou a poetar no estilo adolescente do Jardim das confidências.

Não me venha denegrir aquela viagem de ônibus para Copacabana. Você falou de si mesma e de literatura, mas fui eu que provoquei, porque me interessava conhecer o mecanismo de suas criações. Seu nome aparece freqüentemente nas críticas e crônicas literárias, citado a propósito de outros autores.

O mês passado tive que funcionar na Academia para fazer o discurso de saudação ao Peregrino Júnior. O imprudente falou durante uma hora e quarenta minutos, entregando-me um auditório sovado e sonolento. Mas o meu discurso foi uma brincadeira do princípio ao fim. A propósito dos trabalhos de biotipologia do Peregrino lancei em plena Academia a Nova – Gnomonia com seus parás, mozarlescos, quernianos, onésimos e dantas. Zombei do fardão e do lema “Ad immortalitatem”, com tanto jeito que fui depois sorridentemente felicitado até pelos acadêmicos mais enfatuados da glória acadêmica.

Escreva-me Clarice. Escreva carta. Um cartãozinho seu já é uma delícia. Mas eu quero a delícia maior das cartas. E fale de você. Fale muito de você. Nunca tenha medo de falar de você para mim.

Receba um abraço e as saudades de

Manuel

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