quarta-feira, 23 de março de 2016

Carta para um P. A.

João,

vamos trepar. Esquece aquela história de amor. Vamos fingir que nunca aconteceu. Que nunca me despi em lágrimas infantis na tua frente – um pouco por culpa da cerveja que nunca consumi com recato e muito por culpa sua que não me amava e me botava numa depressão desgraçada. Agora é diferente, quero sexo porque quero. Logo, imagino que pra você deva ser mais automático não ter de se preocupar com mimimis by me durante as próximas semanas, se responde ou não às minhas tentativas de prolongar uma comunicação fakemente despretensiosa, que a você melhor parecia serem ignoradas. Eu perdoo a sua indelicadeza. Agora, a coisa é como é: uma metidinha. Sem planejar secretamente o casamento que não daria certo mesmo que nos esforçássemos. A gente não se encaixaria. Sou boa demais e você livre demais. Entende? Não precisa pensar. Só abaixar essa calça jeans com o zíper emperrado – ainda, João! –, misturado com o sorriso não-sei-como-isso-foi-acontecer, como naquelas metades de noites em que a sua mão achava a minha cintura por baixo do vestido sem que eu percebesse que estava com a calcinha exposta para rua mais suja de São Paulo. Aquilo é noite das mais honestas, João. A caricatura de nós dois: amnésia, impulso e sacanagem. Obrigada e que se foda, João. Eu nem pensava direito quando você tava, então não me julgue. Continuo me distribuindo como uma santa do caralho porque você não conta. Era como estar dopada. Mas agora não tem mais isso, tá? Quero só essa tua mão grande encostando na minha perna meio sem querer na frente do garçom, enquanto eu finjo que calma-não-é-bem-assim, antes de terminarmos o programa molhados de tanto, você sabe. Não preciso dizer, porque você sabe. Por que você não me amou, heim? Ia me poupar uma grana de terapia e pizza. Bom, esquece, agora já foi, passou, meu coração não é mais teu, é do mundo, é meu. Vamos trepar naquela sua cama, em que eu duvido que você troque o lençol toda semana, mas que é grande, maior do que a minha, e que me faz sentir um pouco rainha toda vez que me deito por lá. Mas antes, abre aquela latinha de cerveja que você substitui toda semana porque não consegue ficar sem. Me dá um pouco dela e mais da sua atenção descontrolada que me rodeia sem pause, como se a sua vida dependesse de mim, ainda de pé na tua frente. E me cerca com esse abraço amortecido de quem mente amor sem remorso. Tá tudo certo. É só o que eu quero hoje. Nada muito profundo, nem conclusivo. Você. Sua performance garantindo felicidade, rebolando em cima do meu descontrole amordaçado por uma camiseta que achei jogada no chão. Um tapa na bunda do meu desejo, tá, João. Assim, bem descarado e forte. Cospe na minha cara tua paixão devota que prometo esquecer depois de alcançada a meta. Vou simular que nunca teve tato entre a gente. E vou gozar na tua cara: obrigada por não me amar. Era exatamente do que eu precisava.

[Priscila Nicolielo]

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