quinta-feira, 14 de abril de 2016

Silêncio...e outros foras

O silêncio é também uma resposta. Uma resposta assombrosa, dolorosa, aterrorizadora. Uma resposta que aguça seus medos e monstros. Uma resposta impossível de não ser ouvida. Kafka sabia muito bem disso. O brilhante e atormentado escritor subverte e engrandece o lindo episódio do ‘canto das sereias’ na “Odisseia”. Segundo Homero, Ulisses é advertido que o poderoso e sedutor canto das sereias levaria todos à morte. Ele então ordena que o amarrem ao mastro, que não o soltem sob hipótese alguma, e também obriga toda tripulação que passe cera nos ouvidos, impossibilitando que o irresistível canto fosse ouvido. O herói esbraveja, enlouquece, vocifera, mas, ao fim, por estar completamente atado, vence as abomináveis sereias. Mas Kafka é muito mais arguto que Homero e Ulisses. Ele sugere que nada disso de fato aconteceu. Que o nosso grande herói também colocara cera em seus ouvidos. E que por mais glorioso e destemido que fosse, não resistiria jamais aos encantos dessas sereias. Elas, belas e engenhosas, sabendo da prestigiosa visita, resolveram naquele dia, justamente, não cantar. Não cantaram porque sabiam que o canto, por mais maravilhoso que fosse, poderia ser rechaçado com artimanhas das quais Ulisses era o grande mestre. Elas sabiam que o silêncio, o estrondoso silêncio, jamais, em época alguma, deixaria de ser ouvido. Ulisses, na verdade, foi vencido pela sedução do silêncio.

Ando distribuindo palavras e colhendo silêncios. Silêncios profissionais, pessoais, galácticos. O universo definitivamente não conspira para quem responde rapidamente todas as mensagens. Para quem está disponível na maioria do tempo. Para quem não sabe esperar. Eu sei que o desejo é diretamente proporcional à falta. O mistério, proporcional ao interesse. A incerteza, proporcional à recompensa. E que o silêncio é, sem dúvida, o mestre maior do desejo, do mistério, da incerteza. Em tempos de respostas instantâneas, não cantar é se fazer ouvir. É atormentar, iludir, encantar. Seria necessário romantizar as palavras. Saboreá-las. Engrandecê-las. Torná-las interessantes, recompensadoras, imprescindíveis. Guardá-las, com carinho, deixando-as germinar em um silêncio respeitoso para enfim reponde-las… e ser, de fato e finalmente ouvido e desejado.

[Jacques Fux]

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