quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Verbalizando [Texto completo]

- Meu Deus, mas como você me dói de vez em quando! [Caio F.]

Eu já nem quero te fazer entender, não. Cansei. Minha boca abre e fecha, e tudo o que teima em escapulir, eu acabo engolindo outra vez. Pode ter sido essa noite em claro, em meio ao frio, ao cinza, aos raios amarelos que eu esperei e não apareceram. Pode ter sido. Ou talvez seja apenas mais uma invenção minha. É, você sabe que eu crio situações por nós dois, resolvo, problematizo, e no final já nem existia nada. Vai ver eu acabe criando propositadamente, pra poder me envolver com qualquer coisa que não seja a verdade silenciosa que fica sussurrando em qualquer presença ou ausência nossa. E tudo isso me entorpece tão profundamente, sabe? Findo expulsando incoerências destrambelhadas porque eu queria mais era te ver - te ouvir, ler, que seja - berrando qualquer coisa. Uma manifestação. Um copo quebrado, um cheiro de vinho pela sala, ou qualquer reação vermelha que me fizesse levar à boca o dedo cortado. Acontece que eu espero, e as ranhuras se dão por dentro, de um jeito todo enigmático, sem pretensão tua, mas por convenção minha. Eu te chamo e não vem palavra. Te chamo, e não vem você. Acabo voltando, também. Recuo um passo ou dois, e fico observando com um olhar pervagante tudo o que se movimenta. Tento ser pedra, em vão. No fim eu sempre volto, sem a menor resistência, cantarolando uma bobagem qualquer, impregnada de você em todas as lembranças do futuro que não é. Somos errados, menino. De um jeito estúpido, eu penso em como seria se não houvéssemos acontecido. Eu queria expor todo o meu agora numa dessas minhas frases curtas. Queria fazer do sentimento algo claro, permitido, solto. Mas daí eu amarro tudo, e vou enovelando gestos secretos que muito provavelmente te fariam tropeçar, caso desenrolasse. E eu sei, ah, como eu sei!, que você se preserva de maneira igual. Existe sempre algo que fica. Mesmo que a gente decida ir embora, algo fica. Lembro meus momentos de surto, com tuas batidas de porta. Sempre me julguei tão calma e serena, que me surpreendo ao ficar de veneta nessas horas. Os pedidos para que você não ouse saber de mim, os adeus recheados de drama. E a amiga que me lembra que sou de peixes - e pra você isso não quer dizer nada. Mas me desenho besta. Teimosa. E agora, impulsiva. Impulsiva de um jeito que eu queria pegar o telefone e cantar com minha voz cor-de-rosa qualquer tom desafinado de All My Loving ao teu ouvido, porque ultimamente são os Beatles que passaram a virar desenho de qualquer momento nosso, no meu mundo. Mas eu não consigo, menino. Eu viro adolescente boba, que fica olhando de meia em meia hora pro celular, que checa o e-mail com uma vontade nada habitual, e que depois lembra de ter te pedido pra ir. Lembra que talvez fosse isso que você sempre quisesse ouvir. E lembra mais ainda, que se eu me propor, posso acabar me afeiçoando à ideia do não voltar. É que... Você não acha de uma tolice tão grande essas pequenezas que em nossas mãos se tornam graúdas? Aí eu fico te contando que somos crescidos. E você discorda. E eu fico em cólera. E você vai. E daí a queda d’água interna começa a despontar, em mim. Só em mim. Começa urgente, e depois fica mansa, miudinha, igual minha vontade de acordar. É que sempre sonho, menino. Sonho você sonhando comigo, eu dentro do teu sonho, você no meu, e depois... Depois eu só peço que nenhum de nós dois queira despertar. Tô falando muito, eu sei. Por nada, é verdade. Por um desenrolar exclusivamente meu diante da tua opção de mudez, que me dilacera imenso, ainda que o guardado seja insignificante. Ei. Não bate a porta, não. Porque tenho medo de trancá-la, e virar muro entre nós. Eu sei que sou tonta, dramática, chata, e ultimamente várias, dentro de uma só. Mas você não é nada fácil, também. Nos abraçamos assim, não foi? Isso é um ponto em comum. A verdade é que eu queria deitar no teu colo, com descuido e alguma pressa, e te contar tudo isso, em meio a um disparar de palavras ininteligíveis, que findasse com você me dizendo que não precisa dizer nada. É que eu não te esperava, não. E sei que você não me esperava também. Um desesperar, era? Eu queria não esperar nada. Seria mais fácil toda relação, se o não-esperar existisse, e fosse possível. Esperar, desesperar. E eu tive noção de que em meio a todo e qualquer desencontro, acabamos sendo conduzidos, você e eu, para o agora. Você é uma possibilidade minha, menino. Possibilidade não verbalizada. Como um sentimento sem nome, feito de uma palavra estranha. Palavra que nunca vai caber em dicionário nenhum, e que ninguém nunca vai inventar. Repetição? Sim. É que eu tento apagar, eu minto pra satisfazer tuas vontades, te pedindo pra não vir. Mas você fica. E vai sempre ficar. Continua existindo, musicado. O inevitável dança aos meus olhos. Aí chega a hora em que distribuo um segredo: o tudo que faltava, talvez seja você. Digo e vou dormir, sem sonho, mas dentro dele.

- É que você me dói, menino. Mas de um jeito assim, pulsando: tua poesia a correr em mim.

A Jaya mora aqui ó.
Obrigada pelo texto, Jaya!

2 comentários:

Jaya Magalhães disse...

Obrigadão, lindona!

Aparece sempre lá, é um prazer receber pessoas tão simpáticas como você.

[Já passei um tempo aqui, suas escolhas literárias são maravilhosas].

Beijão.

Fevereiro de 83 disse...

Você sim, foi um amor cedendo o texto...parabéns pelo trabalho maravilhoso. Estarei sempre lá. ;D

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