O título da presente coluna não parece, de início, ser muito coerente, posto que tendemos a associar sentimentos poucos nobres à figura de nossos inimigos. Será que estamos certos?
Temos a pragmática e ocidentalizada noção de que os problemas que nos apresentam destinam-se unicamente a nos importunar e esquecemos que todos os obstáculos que nos são oferecidos objetivam testar as nossas capacidades e virtudes, a exemplo do que nos ensinam as jornadas do herói na mitologia grega. Senão vejamos.
Analisando os diversos mitos gregos, - e para isso não é necessário ser nenhum especialista em narratologia - podemos observar que há uma série de características comuns que adornam os heróis daqueles contos, constituindo-se em elementos de narrativas quase que invariáveis, o que aponta para o perfil de verdadeiros heróis arquétipos. Todos são dotados de algum dom ou virtude especial concedido pelos deuses, necessário para a superação das suas batalhas vindouras. Buscam desempenhar seus papéis por vocação e por livre escolha, como fica bem claro no diálogo entre Aquiles e sua mãe, que antecedeu a partida dele para a guerra de Tróia. Um outro requisito é o altruísmo inerente aos atos do herói. Ele não busca o prazer próprio, mas a superação dos obstáculos com um escopo divino ou coletivo.
Como exemplo, cito, em uma apertada síntese, o mito de Teseu, filho de Egeu, rei de Atenas, que se voluntaria para ser oferecido ao Minotauro, de Creta. Teseu conserva a esperança de matar o monstro e libertar o seu povo do pagamento do pesado tributo de enviar anualmente carne humana para ser devorada. A filha do rei Minos, Ariadne, apaixona-se pelo herói e o ajuda a matar o Minotauro. Saindo-se vencedor da luta, Teseu retorna a sua terra e torna-se o rei de Atenas.
Como podemos observar é graças ao Minotauro que Teseu tem a oportunidade de colocar em prática os seus dons, que o levam, após as diversas batalhas vencidas, tornar-se o rei de Atenas.
Outro mito interessante é o do herói grego Perseu, filho de Zeus, que com a ajuda de Atena e Hermes, que lhe presentearam, respectivamente, um escudo mágico e sandálias aladas, conseguiu matar Medusa.
Com efeito, sem o Minotauro não haveria Teseu, sem Medusa não haveria Perseu, sem Tróia não haveria Aquiles e Ulisses, sem vilão não haveria herói.
Um fato histórico que enaltece o respeito oferecido ao inimigo é a guerra civil romana travada entre Júlio César e Pompeu, na qual este último ao ser derrotado em uma batalha na Grécia, foge para o Egito. César o persegue e ao chegar às terras das pirâmides descobre que o rei Ptolomeu XIII, em busca da afeição do regente romano, havia mandado matar seu inimigo. Desolado com a traiçoeira morte do inimigo, César destrona o rei egípcio e empossa Cleópatra. Por ironia do destino, o grande ditador César viria a morrer esfaqueado, em razão de uma conspiração de parte dos senadores contra ele, no Senado romano aos pés de uma estátua de Pompeu.
Nesse contexto, destaco Sêneca (in Sobre a Divina Providência e Sobre a Firmeza do Homem Sábio:
“Sem adversário a coragem definha: somente fica claro o quanto ela é grande e a quanto chega seu poder quando ela mostra, ao suportar o sofrimento, de que é capaz.
É bom que saibas que o mesmo deve fazer o homem de bem: que não se apavorem diante dos fardos duros e difíceis, nem se queixem do destino; o que quer que ocorra tome por bem, convertam em bem; o que importa não é o que é, mas o modo como tu suportas.”
É bom que saibas que o mesmo deve fazer o homem de bem: que não se apavorem diante dos fardos duros e difíceis, nem se queixem do destino; o que quer que ocorra tome por bem, convertam em bem; o que importa não é o que é, mas o modo como tu suportas.”
Assim sendo, creio que não convém que vejamos as provas dos diversos concursos públicos como empecilhos para a obtenção dos cargos que desejamos, mas sim, como mecanismos que nos permitirão atingir o tão almejado sonho.
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