terça-feira, 29 de novembro de 2011

Cartas perto do coração

Ultimamente tem passado muitos anos, disse Rubem Braga, e acho que muito mais do que ele pensa.
Pág 15

Cartas perto do coração

Ando muito descrente de mim mesmo. E você me dá uma impressão de segurança que me faz ficar boquiaberto. "Só você sabe à custa de que sacrifícios, no íntimo sou frágil, incerta, descontrolada" - parece que estou ouvindo você dizer.
Pág 28

A louca da casa

Há pouco tempo ouvi a escritora argentina Graciela Cabal, falar em público, em Gijón, numa intervenção divertidíssima e memorável. Acabou por dizer (embora ela se expressasse melhor do que eu) que um leitor tem a vida muito mais longa do que as outras pessoas, porque não morre até acabar o livro que está a ler. O seu próprio pai, explicava Graciela, tinha demorado imenso a falecer, porque vinha o médico visitá-lo e, abanando tristemente a cabeça, garantia: "Não passa desta noite"; mas o pai respondia: "Não, nem pense, não se preocupe, não posso morrer porque tenho de acabar O Outono do Patriarca." E, assim que o médico se ia embora, o pai dizia: "Tragam-me um livro mais grosso."- Enquanto isso, amigos do meu pai, que eram saudáveis, fartavam-se de morrer; por exemplo, um pobre senhor que só foi ao médico fazer um check-up e já não saiu - acrescentava Graciela. - É que a morte também é leitora, por isso aconselho a que andem sempre com um livro na mão, porque, quando a morte chega e vê o livro, espreita para ver o que estamos a ler, tal como eu faço no autocarro, e distrai-se.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O tempo

O tempo é muito lento para os que esperam

Muito rápido para os que tem medo

Muito longo para os que lamentam

Muito curto para os que festejam

Mas, para os que amam o tempo é eterno.

Lavoura Arcaica

(...) o mundo das paixões é o mundo do desequilíbrio, é contra ele que devemos esticar o arame de nossas cercas.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Era tudo impossível entre eles

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo. Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.

Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória. Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.

Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.

Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela. Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias – um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.

De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde…

Ostra feliz não faz pérola

Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos -, seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão…”. Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas asperezas, arestas e pontas, bastava para envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia, passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro de uma ostra. Ele o tomou nos dedos e sorriu de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou-a e deu-a de presente para a sua esposa.

Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos. No seu ensaio sobre O nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzche observou que os gregos, por oposição aos cristãos , levavam a tragédia a sério. Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. Ele se perguntou então das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo. A resposta que encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas. Beethoven – como é possível que um homem completamente surdo, no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? Van Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa…

9 de novembro de 2011

Deu uma saudade de ler contigo, de conversar contigo, de estar contigo, de ser contigo...

Pessoas

Pessoas brilhantes falam sobre ideias.
Pessoas medíocres falam sobre coisas.
Pessoas pequenas falam sobre outras pessoas.

Alice no País das Maravilhas

"Gatinho de Cheshire", começou, bem timidamente, pois não tinha certeza se ele gostaria de ser chamado assim: entretando ele apenas sorriu um pouco mais. , "Acho que ele gostou", pensou Alice, e continuou. "O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui?"

"Isso depende muito de para onde você quer ir", respondeu o Gato.

"Não me importo muito para onde...", retrucou Alice.

"Então não importa o caminho que você escolha", disse o Gato.

"...contanto que dê em algum lugar", Alice completou.

sábado, 19 de novembro de 2011

A página assombrada por fantasmas

Eu quis tanto aproximar a vida da literatura. É o que todo mundo quer, não? Viver algo que valha a pena ser narrado. Narrar algo que valha a pena ser vivido.

Leio-te

Leio-te: — o pranto dos meus olhos rola:
— Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola …

Todo o nosso romance: – a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, – neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.

Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as páginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.

Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
E cuido vê-Ia, plácida, a meu lado,
Lendo comigo a página que leio.

Pela educação o indivíduo se torna mais apto para viver

O estudo da gramática não faz poetas. O estudo da harmonia não faz compositores. O estudo da psicologia não faz pessoas equilibradas. O estudo das "ciências da educação" não faz educadores. Educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem. O que se pode fazer é ajudá-los a nascer. Para isso eu falo e escrevo: para que eles tenham coragem de nascer. Quero educar os educadores. E isso me dá grande prazer porque não existe coisa mais importante que educar. Pela educação o indivíduo se torna mais apto para viver: aprende a pensar e a resolver os problemas práticos da vida. Pela educação ele se torna mais sensível e mais rico interiormente, o que faz dele uma pessoa mais bonita, mais feliz e mais capaz de conviver com os outros. A maioria dos problemas da sociedade se resolveria se os indivíduos tivessem aprendido a pensar. Por não saber pensar tomamos as decisões políticas que não deveríamos tomar.

Maury Gurgel Valente para Clarice Lispector

Não pense que eu ando atrás só de belas coisas simples. Eu quero qualquer coisa, desconexa, contraditória, insegura, não tem importância, desde que seja sua. As definições redondas e grandiloqüentes, as coisas categóricas e acabadas não me satisfazem, porque eu não sou assim...

Discussão

Uma discussão prolongada significa que ambas as partes estão erradas.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Alice no País das Maravilhas

Nesta direção", disse o Gato, girando a pata direita, "mora um Chapeleiro. E nesta direção", apontando com a pata esquerda, "mora uma Lebre de Março. Visite quem você quiser quiser, são ambos loucos."

"Mais eu não ando com loucos", observou Alice.

"Oh, você não tem como evitar", disse o Gato, "somos todos loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca".

"Como é que você sabe que eu sou louca?", disse Alice.

"Você deve ser", disse o Gato, "Senão não teria vindo para cá."

Coragem

Coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não ausência de medo.

Agatha

-Mesmo indo embora você continua a me amar?
Sem resposta
-Você vai embora para amar para sempre?

-Vou embora para amar para sempre nessa dor adorável de nunca ter você, de nunca poder fazer com que esse amor nos deixe como mortos.

A insustentável leveza do ser

Já disse que as metáforas são perigosas. O amor começa por uma metáfora. Ou melhor: o amor começa no momento em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética.

Condicional*

Quis nunca te perder
Tanto que demais
Via em tudo céu
Fiz de tudo cais
Dei-te pra ancorar
Doces deletérios

E quis ter os pés no chão
Tanto eu abri mão
Que hoje eu entendi
Sonho não se dá
é botão de flor
O sabor de fel
é de cortar

Eu sei é um doce te amar
O amargo é querer-te pra mim
Do que eu preciso é lembrar, me ver
Antes de te ter e de ser teu, muito bem

Quis nunca te ganhar
Tanto que forjei
Asas nos teus pés
Ondas pra levar
Deixo desvendar
Todos os mistérios

Sei tanto te soltei
Que você me quis
Em todo o lugar
Lia em cada olhar
Quanta intenção
Eu vivia preso

Eu sei é um doce te amar
O amargo é querer-te pra mim
Do que eu preciso é lembrar, me ver
Antes de te ter e de ser teu
O que eu queria o que eu fazia o que mais?
E alguma coisa a gente tem que amar
Mas o que não sei mais

Os dias que eu me vejo só
São dias que eu me encontro mais
E mesmo assim eu sei também
Existe alguém pra me libertar


*Composição: Rodrigo Amarante

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Era uma beleza que doía

Era uma vez um bando de patos selvagens que voava nas alturas. Lá em cima era o vento, o frio, os horizontes sem fim, as madrugadas e os poentes coloridos. Tudo tão bonito! Mas era uma beleza que doía. O cansaço do bater das asas, o não ter casa fixa, o estar sempre voando e as espingardas dos caçadores… Foi então que um dos patos selvagens, olhando lá das alturas para a terra aqui embaixo viu um bando de patos domésticos. Eram muitos. Estavam tranquilamente deitados à sombra de uma árvore. Não precisavam voar. Não havia caçadores. Não precisavam buscar o que comer: o seu dono lhes dava milho diariamente. E o pato selvagem invejou os patos domésticos e resolveu juntar-se a eles. Disse adeus aos seus companheiros, baixou seu voo e passou a viver a vida mansa que pedira a Deus. E assim viveu por muitos anos. Até que… Até que, num ano como os outros chegou de novo o tempo da migração dos patos. Eles passavam nas alturas, no fundo do azul do céu, grasnando, um grupo após o outro. Aquelas visões dos patos em voo, as memórias de alturas, aqueles grasnados de outros tempos começaram a mexer com algum lugar esquecido dentro do pato domesticado, o lugar chamado saudade. Uma nostalgia pela vida selvagem, pelas belezas que só se veem nas alturas, pelo fascínio do perigo… Até que não foi mais possível aguentar a saudade. Resolveu voltar a ser o pato selvagem que fora. Abriu suas asas, bateu-as para voar, como outrora… mas não voou. Caiu. Esborrachou-se no chão. Estava gordo demais. E assim passou o resto de sua vida: em segurança, gordo de barriga cheia, protegido pelas cercas e triste por não poder voar…

A mulher desiludida

Mas eu sei que me mexerei. A porta se abrirá lentamente e eu verei o que tem detrás. É o futuro. A porta do futuro vai se abrir. Lentamente. Implacavelmente. Estou no limiar.

A vida material

Só tarde na vida retiramos certos ensinamentos daquilo que vivemos. Vocês vão ver. Que ousamos comentá-la entre nós, quero dizer, e escrever sobre isso. Assim, é com atraso que descobrimos que o sentimento de ser feliz que tínhamos com determinado homem não queria dizer necessariamente que sentíamos amor por ele. É na recordação menos violenta, menos eloqüente, que encontro hoje em dia a evidência do amor. Os homens que mais traí foram os que mais amei.

Amor Quente

Preto no branco
Amarelo, um pouco de azul
Noite estrelada
Peito feliz
Olho no olho
Pintura a quatro mãos
Tintas claras
O mesmo cigarro
Isso é amor
Amor quente

Água de coco pra dois
Porta do carro aberta
Vento morno da areia
Palavras mentirosas
Isso é amor
Amor quente

Cama de casal
Luz bem baixinha pra ver
Gemidos de dor e alegria
Sair de si por três minutos
Isso é amor
Amor quente

Supermercado, escolher iogurte
Fazer compras juntos
Brigar por besteiras
Isso é amor
Amor quente

Tomar café, banho, brisa
Champanhe, tristeza, beleza
Cremes, músicas, sucos, água
Drogas, fumo, passar perfume
Isso é amor
Amor quente

domingo, 13 de novembro de 2011

A chave da casa

E na verdade gosto das coisas que se foram, que não estão mais aqui. Gosto das ruínas, dos segredos do passado. Não gosto das coisas restauradas, como se tivessem sido construídas ontem, mas das marcas, dos vestígios.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Vida dos Peixes

Eu fui para o café... Quero que você saiba disso. Fui a um café... Pedi um suco e fiquei olhando as pessoas, escutando as conversas das mesas próximas, como fazíamos. No banheiro, chorei. Nunca tinha chorado em um lugar público. Um estranho me consolou. Eu sentia minhas pernas tão pesadas. Fiquei umas duas semanas de cama... Eu inventei uma gripe, isso se transformou em uma sinusite, e finalmente se tornou uma pneumonia... 

Me lembro de um dia, um dia de merda, um dia de maio de merda. Eu pedi para minha mãe que ligasse para você. Eu não conseguia sair da cama, não parava de chorar. Falei muito séria com minha mãe: “Mamãe liga para ele”. Ela olhou para mim, só olhou-me e disse: “Não vamos ligar para ninguém”. 

Estaria mentindo se eu disser que não penso como minha vida teria sido. Como seria estar com você. Se teríamos filhos, se estaríamos juntos em uma tempestade de neve, ou se no verão viajaríamos para uma cidadezinha pequena. Ou coisas simples: comprar frutas, pagar as contas, comprar um presente.

A idade da discrição

É necessário dizer também que, outrora, tínhamos na cama reconciliações fogosas; no desejo, na perturbação, no prazer, os agravos ociosos eram calcinados. Reencontrávamo-nos, um em frente do outro, novos e joviais. Agora, estávamos privados desse recurso.

A insustentável leveza do ser

Mas o frágil edifício do amor deles seria inevitavelmente destruído, já que esse edifício se assentava sobre uma única pilastra - a de sua fidelidade -, e os amores são como os impérios: desaparecendo a ideia sobre a qual foram construídos, morrem junto dela.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Lavoura Arcaica

Me dê tua mão, Ana. Tantas coisas que esperam. Desse teu gesto dependem minhas atitudes, minha conduta, minhas virtudes. Tudo, Ana, tudo começa no teu amor. Ele é a semente. O teu amor para mim é o princípio do mundo. Me ajude Ana, me diga alguma coisa, me diga uma palavra, me basta um leve aceno de cabeça, um movimento nas dobras dos teus cabelos, ou na sola dos teus pés... 
(...) 
Tenho vontade de varar teus santos, teus anjinhos, de dar uma dentada no coração do teu Cristo.

Voltas

Das habilidades que o mundo sabe, essa ainda é a que faz melhor: dar voltas.

Felicidade

Felicidade se acha em horinhas de descuido.

A mulher desiludida

Todas as mulheres acreditam-se singulares, todas pensam que determinadas coisas não lhes podem acontecer e todas se enganam.

Os Dias do Amor

UM SISTEMA DE RELAÇÃO

Considere-se o caso em que A é igual a 1.

Obtém-se a função ípsilon igual a X à vida inteira

partindo da convicção que nenhum amor é para sempre

sendo A o mínimo absoluto do que és capaz de amar

e 1 uma falha de expressão comum ao tempo

em que sofrias fechada num quarto

a sentir uma régua de luz com origem sobre o teu rosto

a definir a região inundada do teu espaço

à medida que o tempo ocupa uma parte da cidade

e a tua situação representada numa estação de comboios

onde o esquema da vida se define por perpendiculares

aos dias cruzados na tua memória

sendo cada dia um gesto que te posiciona

em relação a todos os medos

mentiras de origem abjectas

e a proporção de ípsilon na mais estranha irracionalidade

no centro de um jardim onde se passeia geometricamente

apenas com o pensamento intimamente ligado

por símbolos de circunferência e dimensões harmoniosas

comparando o valor da vida à mais bela arquitectura

da experiência e da perda

um processo prático desenvolvido no laboratório

das horas mais simples e gráficas

ordenadas de uma forma circular

no teu caso um valor compreendido

entre duas questões humanas

por comparação do que foi destruído

pois há uma maior concentração de tristeza nos teus olhos

se designarmos por sofrimento algumas atitudes provocadas por 1

e se traçarmos duas rectas de amor paralelas à desigualdade de amar

e que passem pelos dias intuitivamente felizes

nesse quarto classificado de nuvens pesadas

onde a tua vida é agora inferior à média da felicidade

se concluirmos que o estado de ser feliz é um ponto diário

que varia de predominância e influência

nos tempos nulos condenados e negativos

na figura mínima encostada ao balcão do álcool

numa noite de cubos de gelo

e o que uma bebida especial

servida à mistura com a estratégia das palavras fez dos teus planos

calculando agora o valor referente aos lucros do amor e das promessas

introduz as marcas do teu corpo e obténs as medidas do teu prejuízo

define o tempo correspondente a cada acto de amor

seleccionando o menu da tua experiência

e tens uma lista que confirma o historial da tua personalidade

para que função o problema X tem significado

se o volume da tua casa tem todas as janelas fechadas

e o teu corpo é um fio de comprimento que mede a solidão dos dias

ou se os teus braços já não traçam uma recta de prazer abaixo da cintura

ou ainda se o teu sexo é um foco distante que se fecha em curva

e não há intersecção nem arco entre dois corpos

considerando as arestas da tua vida propriedade de defesa

uma estimativa do tempo ao fim do qual tudo se perde

e tens deste modo um amor protagonizado pelo desespero

sujeito às regras da obediência e da ilusão.

Há cores e acordes

Se entender encurta distâncias, também tolhe belas viagens. Chego ao aeroporto e já não há como me perder: aprender os caminhos é esquecer como se intui uma direção, como se pergunta a um desconhecido, como se inventa um itinerário.

Pecado

Mas durante a infância faltava-me coragem para me rebelar. Assim, me tornei uma clandestina. Buscando maneiras secretas de ser.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Gostar duma pessoa

Uma coisa só começa a existir quando você também começa a prestar atenção na existência dela. Quando a gente começa a gostar duma pessoa, é bem assim.

domingo, 6 de novembro de 2011

Males que nunca aconteceram

Quanta dor nos causaram os males que nunca aconteceram.

Quase nunca

Quase nunca rimos de nós próprios. Contudo, raro é o dia em que não fazemos coisa digna de provocar o riso. Outros, mais sinceros, riem de nós, e nós não lhe perdoamos tamanha sinceridade.

Futuro

O futuro tem muitos nomes. 
Para os fracos, é o inatingível. 
Para os temerosos, o desconhecido. 
Para os valentes é a oportunidade.

A mulher desiludida

Ele me bastou, só vivi para ele. Ele, por um capricho, traiu nosso juramento!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Adultérios

-Qual foi o motivo que ele deu?
-Que ele não me ama mais...não gosta de ficar perto de mim...que fica com falta de ar de se imaginar passando de novo pela triste coreografia de fazer sexo comigo. Esses são os vagos motivos que ele dá, mas acho que só está sendo educado. Na verdade, acho que ele não gosta da minha comida.

Brincar de pensar

A arte de pensar sem riscos. Não fossem os caminhos da emoção a que leva o pensamento, pensar já teria sido catalogado como um dos modos de se divertir. Não se convidam amigos para o jogo por causa da cerimônia que se tem em pensar. O melhor modo é convidar apenas para uma visita, e, como quem não quer nada, pensa-se junto, no disfarçado das palavras.

Isso, enquanto jogo leve. Pois para pensar fundo – que é o grau máximo do hobby – é preciso estar sozinho. Porque entregar-se a pensar é uma grande emoção, e só se tem coragem de pensar na frente de outrem quando a confiança é grande a ponto de não haver constrangimento em usar, se necessário, a palavra outrem. Além do mais exige-se muito de quem nos assiste pensar: que tenha um coração grande, amor, carinho, e a experiência de também se ter dado ao pensar. Exige-se tanto de quem houve as palavras e os silêncios – como se exigiria para sentir. Não, não é verdade. Para sentir exige-se mais.

Bom, mas quanto a pensar como divertimento, a ausência de riscos o põe ao alcance de todos. Algum risco tem, é claro. Brinca-se e pode-se sair de coração pesado. Mas de um modo geral, uma vez tomados os cuidados intuitivos, não tem perigo. Como hobby, apresenta a vantagem de ser por excelência transportável. Embora no seio do ar ainda seja melhor, segundo eu. Em certas horas da tarde, por exemplo, em que a casa cheia de luz mais parece esvaziada pela luz, enquanto a cidade inteira estremece trabalhando e só nós trabalhamos em casa mas ninguém sabe – nessas horas em que a dignidade se refaria se tivéssemos uma oficina de consertos ou uma sala de costuras – nessas horas: pensa-se. Assim: começa-se do ponto exato em que se estiver, mesmo que não seja de tarde; só de noite é que não aconselho.

Uma vez por exemplo – no tempo em que mandávamos roupa para lavar fora – eu estava fazendo o rol. Talvez por hábito de dar título ou por súbita vontade de ter caderno limpo como em escola, escrevi: rol de… e foi nesse instante que a vontade de não ser séria chegou. Este é o primeiro sinal do animus brincandi, em matéria de pensar – como –hobby. E escrevi esperta: rol de sentimentos. O que eu queria dizer com isto, tive que deixar para ver depois – outro sinal de se estar no caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.

Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?

Mas devo avisar. Às vezes começa-se a brincar de pensar, e eis que inesperadamente o brinquedo é que começa a brincar conosco. Não é bom. É apenas frutífero.

[A Descoberta do Mundo]

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Smallville

Engraçado...
Sempre fui tão contra a mudanças significativas na vida pessoal quando as pessoas se relacionam. Na minha infeliz arrogância, não percebi que isso era impossível.

Filhos ? Ela perdeu o desejo de ter... era um desejo da relação, do conjunto...
Por que lembrei disso ? Bem, porque acabei me dando conta de que outras coisas perderam completamente a graça. Ir ao cinema... eu ate que tenho recuperado. Talvez pelo excesso de gente, pelo ambiente... as distrações são maiores.
Mas em casa... aff... difícil demais. Perdi as contas de quantos filmes estão empilhados e que não tenho o menor desejo de ver sozinho...
Séries ? Rrss... mesmo com um datashow de boa qualidade, não adiantou. Vi 2 episódios de uma série nova, mas perdi o fôlego. Ficou simplesmente chato, sem graça. Assistir os demais episódios de smallville... nem pensar !

Juro que já fiz pão com queijo e orégano no forno...mas não adiantou...rrss.
Acho que vou tentar comprar um colchão inflável e colocar na sala... quem sabe funcione...rrss.
A verdade, é que tudo faz muita falta. Mas, apesar de tudo, fico feliz. Não é uma falta com agonia, mas uma falta serena... sei lá, acho que é isso.
É provável que a sinta para sempre...

"...Mas eu sei que devo seguir em frente
Apesar de doer eu devo ser forte
Porque dentro de mim, eu sei que muitos
Sentem-se desse jeito

Crianças não parem de dançar
Acredite!
Vocês podem voar
Longe ... longe"

Creed - Don't Stop Dancing

[Quinta-feira, 27 de outubro de 2011]

A tristeza é feia e quer casar [Silmara Franco]

Está no dicionário: Tristeza: [Do lat. tristitia.] S.f. 1. Qualidade ou estado de triste. 2. Falta de alegria. 3. Pena, desalento, consterna...