quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A insustentável leveza do ser

Tinha vontade de dizer-lhe, como a mais comum das mulheres: não me deixe, me guarde perto de você, me escravize, seja forte! Mas eram palavras que não podia e não sabia pronunciar.
Quando ele afrouxou o abraço ela apenas disse: - Como estou contente de estar com você! - Com sua natural discrição não podia dizer mais do que isso.

A valsa dos adeuses

Ele não sabia por que esperava. Sabia apenas que esperaria muito tempo, toda a noite se fosse preciso, e mesmo muitas noites. Pois o tempo estipulado pelo ciúme passa numa rapidez inacreditável. O ciúme ocupa o espírito ainda mais completamente do que um trabalho intelectual apaixonante. O espírito não tem mais um segundo de lazer. Aquele que está possuído pelo ciúme ignora o tédio.

Desonra

Ele não foi com a cara de Bev Shaw, uma mulherzinha atarracada, agitada, com sardas pretas, cabelo duro, cortado curto, e sem pescoço. Não gosta de mulheres que não fazem nenhum esforço para ficar bonitas.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Mulheres

Sentia-me contente por não estar apaixonado, por não estar contente com o mundo. Gosto de estar em desacordo com tudo. As pessoas apaixonadas tornam-se muitas vezes suscetíveis, perigosas. Perdem o sentido da realidade. Perdem o sentido de humor. Tornam-se nervosas, psicóticas, chatas. Tornam-se, mesmo, assassinas.

Clarice

(...) escrevo porque encontro nisso um prazer que não sei traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta minha alma falando e cantando, às vezes chorando...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

044

"Eu acho que o mundo é muito melhor hoje do que era, por exemplo, vinte e nove anos atrás..."

Me aproximando

Tô me aproximando de tudo que me faz completo, me faz feliz e que me quer bem.

Na praia

No seu nervosismo, passou a falar mais depressa, embora suas palavras fossem enunciadas precisamente. Como um patinador sobre o gelo fino, ela acelerava para evitar o afogamento. Disparava com frases, como se bastasse a velocidade para fazer sentido, como se também pudesse propelilo além das contradições, girá-lo com tal rapidez em torno da curva de suas intenções que já não lhe restaria objeção a que se agarrar. Por não atropelar as palavras, ela soava desgraçadamente animada, quando na verdade, estava perto do desespero.

Soneto à lua

(...) Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?
Livro de Sonetos.
Pág 18

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Coisas frágeis

Sabíamos que o fim estava próximo, por isso pusemos tudo num poema, para contar ao universo quem éramos, por que estávamos aqui e o que dizíamos, fazíamos, pensávamos, sonhávamos, desejávamos. Embrulhamos nossos sonhos em palavras e moldamos as palavras para que vivessem para sempre, inesquecíveis.
Pág 129

Cantada

Você é mais bonita que uma bola prateada
de papel de cigarro
Você é mais bonita que uma poça dágua
límpida
num lugar escondido

Você é mais bonita que uma zebra
que um filhote de onça
que um Boeing 707 em pleno ar

Você é mais bonita que um jardim florido
em frente ao mar em Ipanema
Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás
de noite
mais bonita que Ursula Andress
que o Palácio da Alvorada
mais bonita que a alvorada
que o mar azul-safira
da República Dominicana

Olha,
você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro
em maio
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana

Para ler como um escritor

Edith não é cruel ou insensível, mas está farta; quer que essa confissão não solicitada e perturbadora termine. E possivelmente está até experimentando aquela irritação passageira que nós mesmos podemos sentir quando alguém obscurece nosso belo dia mostrando-nos mais solidão e dor do que queremos ver.
Pág 158
(Sobre o romance Loving, de Henry Green.)

Porque era preciso

Os outros eu conheci por ocioso acaso. A ti vim encontrar porque era preciso.

Um apólogo

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

– Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo?

– Deixe-me, senhora.

– Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

– Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com sua vida e deixe a dos outros.

– Mas você é orgulhosa.

– Decerto que sou.

– Mas por quê?

– É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

– Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora quem quem os cose sou eu, e muito eu?

– Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados…

– Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando…

– Também os batedores vão adiante do imperador.

– Você é imperador?

– Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto…

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana – para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

– Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima…

A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulhada espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. e enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:

– Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: – Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: – Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária”

Recado

Tô contigo amigo e não abro

Vamos ver o diabo de perto

Mas preste bem atenção, seu moço

Não engulo a fruta e o caroço

Minha vida é tutano é osso

Liberdade virou prisão

Se é amor deu e recebeu

Se é suor só o meu e o teu

Verbo eu pra mim já morreu

Quem mandava em mim nem nasceu

É viver e aprender


(Gonzaguinha)

A Sombra do Vento

Quis odiar Clara, mas não fui capaz. Odiar de verdade é um talento que se aprende com os anos.

(Carlos Ruiz Zafón)

Desamores

Talvez um dia eu seja uma pessoa mais equilibrada. Dessas que não se abalam tanto com os problemas. Que sabem administrar com inteligência a maioria das situações. Mas, por enquanto, confesso que não consigo. Basta uma coisa dar errado para estragar todas as outras. Um desequilíbrio literal. Imagino meu humor como uma pilha de latas em um corredor de supermercado. Estão todas lá: umas em cima das outras. Organizadas. Alinhadas. Aí vem uma criança teimosa e tira uma das latas de baixo. A do meio! E, em dois segundos, está tudo no chão. Era impossível que continuassem de pé sem aquela lata.

Ando meio triste. Uma criança teimosa passou por aqui um dia desses e levou o que queria.

Tirou uma lata e foi embora. Sei que vou ficar bem. No fim, as coisas sempre se ajeitam. Mas dá um trabalho organizar tudo de novo! Ter de pegar lata por lata e empilhar outra vez... Uma a uma. Bem devagar. Até achar o tal do equilíbrio."

 (Eduardo Baszczyn)

Para Maria Adelaide Amaral

Fiquei todo abalado com o teu De braços abertos. Fiquei com perguntas assim: será que isso que a gente chama de amor se passa sempre fatalmente em dois níveis? O da fantasia, da emoção real, poética — e o da realidade que descamba para a agressividade, para a dureza? Por que, na segunda-feira, eles (nós) não revelam a carência do fim de semana e se dizem coisas duras? Realmente, por que, afinal? Se não seria mais fácil se a verdade pudesse fluir? Um pouco mais além: mas será que a verdade poderia mesmo fluir? Será que verdade e fluência não se opõem, contrapõem? E coisas como: amor existe mesmo? Ou só existe o permanecer de braços abertos, como no sonho de Luisa (esse sonho podia perfeitamente ser meu), pronto (a) a receber alguém que nem sequer chega a tomar forma? E quando alguém, no plano real, toma forma, a gente imediatamente projeta toda aquela emoção presa na garganta do sonho. E fatalmente se fode, porque está tentando adequar/ajustar um arquétipo, uma imagem de toda a nossa infinita carência, nossa assustadora sede, a uma realidadezinha infinitamente inferior.

(Em carta para Maria Adelaide Amaral)

Aos meus amigos

- Há dois tipos de pessoas - deve haver mais, infelizmente que eu não conheço. Gente como a Raquel, que aproveita o melhor de cada relação e gente como eu, que não consegue superar ressentimentos. Lembra daquela música do Cartola, que diz num determinado momento "de cada amor herdararás só o cinismo"? É isso aí, Ivan. Eu só consigo ser melhor quando tudo dá certo. Quando não dá, como aconteceu com a gente, o que fica é um travo de fel, é uma coisa muito amarga.

- Que pena pra você porque para mim o que ficou foi puro mel.
- Me faz bem ouvir isso de você - disse Lena, apertando sua mão.

- Na hora que você começou com o Cartola eu tinha certeza que a gente ia terminar com Lupicínio. Você não sabe como eu odeio esse tom de "Podemos ser amigos simplesmente".

A tristeza é feia e quer casar [Silmara Franco]

Está no dicionário: Tristeza: [Do lat. tristitia.] S.f. 1. Qualidade ou estado de triste. 2. Falta de alegria. 3. Pena, desalento, consterna...