segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Crème brûlée

-Você é Michael. Você está em um elegante restaurante francês . Você pede um Crème brûlée de sobremesa, ele é lindo, é doce, é irritantemente perfeito. De repente, Michael percebe que ele não quer Crème brûlée. Ele quer outra coisa.
-O que ele quer?
-Gelatina.
-Gelatina?? Porque ele quer gelatina?
-Porque ele se sente bem com gelatina!!! Gelatina o deixa à vontade. Eu sei que, comparada ao Crème brûlée é só gelatina. Mas pode ser o que ele precisa.
-Eu posso ser gelatina.
-Não! Crème brûlée nunca poderia ser gelatina. Você nunca poderia ser gelatina.
-Eu preciso ser!
-Você nunca será.
[Do filme "O casamento do meu melhor amigo".]

sábado, 8 de dezembro de 2012

[Trecho do conto] Deixando para trás o inferno


Não gosto de falar das etapas da minha vida porque a dor se remexe. Mas assim é. Vive-se em capítulos. E é preciso aceitar. Muita gente à minha volta andou injetando rancor e ódio no meu coração. O final era previsível: ingressar no caos, seguir para baixo e não parar até o inferno. Quando estivesse assando no azeite e no enxofre em chamas, não haveria mais remédio.
Já estava seco e fedendo a gases sulfúricos quando consegui deter a queda. E comecei a recuperar algo do melhor. Me custou esforço. Nunca voltei a ser o mesmo. Por sorte a vida é irreversível. E, sobretudo, não continuei rodando até o inferno. Provas que a vida nos impõe. Se não se sabe, ou não se consegue superá-las, ai se tomba. E talvez não se tenha tempo nem pra se despedir.

Deus me dá sinais, às vezes

Gosto de me masturbar cheirando minhas axilas. O cheiro de suor me excita. Sexo seguro e perfumado. Principalmente quando estou com tesão de noite e Luisa anda por aí, ganhando uns pesos, fazendo a vida. Embora já não seja a mesma coisa. Com quarenta e cinco anos minha libido está se reduzindo. Tenho menos sêmen. Só um jorrinho uma vez por dia. Acho que entrei no climatério: menos desejo, menos sêmen, glândulas mais lentas. De toda forma, as mulheres continuando voejando ao meu redor. Acho que hoje tenho mais espírito. Haha, eu com mais espírito. Não vou dizer que estou mais perto de Deus. É uma bela frase, bem pedante: "Ah, estou mais perto de Deus". Não. De jeito nenhum. Deus me dá sinais,ás vezes. E eu continuo tentando. Só isso.

E não é verdade que alguém escolha estar sozinho

Agora sim, fiquei sozinho. O ar ao meu redor estava mais leve. Não era fácil aceitar a solidão. Nem aprender a me auto-abastecer. Eu continuava pensando que seria impossível. Ou desumano. “O homem é um ser social”, tinham me repetido muitas vezes. Isso, mais o calor do trópico, o sangue latino, minha mestiçagem fabulosa, tudo conspirava em torno de mim, como uma rede, deixando-me incapacitado para a solidão. Esse era o meu problema, o meu desafio: aprender a viver e a desfrutar dentro de mim. E o problema não é simples: os hindus, os chineses, os japoneses, todos os povos que têm culturas milenares dedicaram boa parte do seu tempo a desenvolver filosofias e técnicas de vida interior. Mesmo assim, todo ano se suicidam no mundo não sei quantos milhares de pessoas, arrasadas pela própria solidão. E não é verdade que alguém escolha estar sozinho. É que, pouco a pouco, vai ficando sozinho. E não tem saída. É preciso resistir. Você chega a uma imensa planície desértica e não sabe que merda fazer. Muitas vezes pensa que o melhor é fugir. Para outro país, outra cidade, outro lugar. Mas continua amarrado. Outras vezes acha que é melhor não pensar muito em si mesmo e na puta solidão, que fica ainda mais aguda quando você está isolado e em silêncio. Bom, então é preciso se mexer. E você sai por aí. À procura de um amigo, ou de uma mulher que lhe dê um pouco de sexo. Não sei. Alguém para não ficar sozinho, porque você já sabe que quando fica assim o rum e a maconha deprimem ainda mais. Um pouco de sexo, talvez. Se não, pelo menos um amigo.

A vida é muito imprevisível

Desde então me incomodam muito estas duas palavras: correto e sensato. São falsas e pedantes. Servem para ocultar e mentir. Tudo e incorreto e insensato. Toda historia, toda a vida, todas as épocas foram incorretas e insensatas. Nós mesmos. Cada um de nós, por natureza, é incorreto e insensato, só que nos reprimimos para voltar para o cercado como boas ovelhas, e aplicamos rédeas e mordaças em nós mesmos.
Levei essa vida dupla durante muito tempo:correto e sensato, no trabalho. Incorreto e insensato no cortiço com Miriam. Ainda não me sentia livre, mas já estava no rumo. A verdade é que não me interessa nada que seja linear, reto. Não me interessa coisa nenhuma que progrida limpidamente de um ponto a outro, e que se saiba perfeitamente que tal linha começou aqui e terminou ali!
Não.
Nunca se deve pretender ser correto e sensato e levar uma vida linear e exata. A vida é muito imprevisível.

Não tenho motivos para ser amável

Não tenho motivos para ser amável, nem para fazer concessões. O escritor no fundo é um sujeito amargurado, confuso, sem explicações para nada, e pouco lhe importa se o compreendem ou não. Se é bem ou mal recebido. Se é simpático ou antipático. Se tem dinheiro ou é um morto de fome. Se você é escritor, tem que saber que essas são as regras do jogo. Do contrário, você é um palhaço. E vai ter sempre alguém por perto tentando transformar você em palhaço.

A tristeza é feia e quer casar [Silmara Franco]

Está no dicionário: Tristeza: [Do lat. tristitia.] S.f. 1. Qualidade ou estado de triste. 2. Falta de alegria. 3. Pena, desalento, consterna...