terça-feira, 14 de outubro de 2008

Os urubus e os sabiás...

"Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles deveriam se tornar grandes cantores. E para isso fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam por Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
- ‘Onde estão os documentos dos seus concursos?' E as aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvesse. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantaram, simplesmente...
-Não assim não pode ser. Cantar sem titulação devida é um desrespeito à ordem.
“E os urubus, em unissono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...”.

MORAL: EM TERRA DE URUBUS DIPLOMADOS NÃO SE HOUVE O CANTO DOS SABIÁS.

Extraído de Rubem Alves, Estórias de quem gosta de ensinar, Editora Cortez. 1984.

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