Venho percebendo um fenômeno da ordem dos menos importantes, mas, ainda assim, curioso.
Antigamente, a pessoa casada que vivia um relacionamento extra-conjugal tinha o quê?
Um amante.
Homens tinham amantes, mulheres tinham amantes, e amantes não tinham a menor chance de receber alguma condescendência por parte da sociedade.
O povo caprichava na hora de estereotipá-los.
No caso das amantes, eram descritas como notívagas que vestiam vermelho, mantinham garras afiadas, lingerie de tigrinho e cabelos excessivamente compridos.
No caso dos amantes, eram homens com emprego incerto, que podiam escapar no meio da tarde, e que usavam camisas listradas.
Por que camisas listradas?
Sei lá, deve ter alguma relação com a imagem do malandro, uma coisa meio Moreira da Silva.
Mas sem o chapéu.
Os amantes exalavam luxúria.
Eram pessoas de índole duvidosa, já que pouco se importavam de estar colaborando para a ruína dos lares. As amantes eram umas sem-vergonhas que queriam fisgar um marido a qualquer preço, os amantes eram uns farristas que divertiam-se comendo a mulher do próximo.
Um pessoal absolutamente sem coração.
Alguém ainda tem amante?
Nunca mais ouvi falar.
E olha que eu lido com gente à beça, de tudo quanto é tipo, formato, cor, idade, estado civil.
Ninguém mais tem amante.
É uma raça em extinção.
As pessoas, agora, casam e são felizes para sempre.
E, quando acham que o "pra sempre" anda meio tedioso, arranjam um namorado.
Homens têm a esposa e uma namorada.
Mulheres têm o marido e um namorado.
Nunca vi nada mais familiar.
As namoradas são estudantes, médicas, bibliotecárias, mulheres que usam jeans e camiseta, cabelo curto e unhas curtas, elegantes e discretas.
Discutem Nietzche, são companhia para um cinema, passam as festas de fim de ano com a turma sem reclamar.
Os namorados são surfistas, engenheiros, instrutores de informática.
Mandam e-mails carinhosos, sugerem discos de jazz, dizem eu te amo.
Amante é coisa de quem curte relações clandestinas, transa atrás das portas e exagera no perfume.
Uma decadência.
Os amantes foram promovidos a namorados.
Adeus vestidos vermelhos e camisas listradas.
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