No livro Perto do Coração Selvagem, romance de estréia da escritora Clarice Lispector, a personagem Joana, em um determinado momento, sente-se confusa por estar sofrendo por algo que, um dia, a tornou terrivelmente feliz.
Acontece muito.
A dor e o prazer alternarem-se em volta do mesmo motivo.
Passam-se anos, ou meses, ou horas, e aquilo que nos deu tamanha vontade de viver torna-se a razão de tanta angústia e lágrima.
E o mais exaustivo é que este é um fenômeno incompreensível.
Sendo de impossível entendimento, nada pode-se esclarecer aqui, a não ser dizer que, na maioria das vezes, é o amor que provoca tal contradição.
O tempo passa e o amor sofre mutações: de ansioso passa a ser calmo, de constante passa a ser inconstante, de onipotente passa a ser falível.
Nós, por outro lado, também mudamos.
De carentes a auto-suficientes, de infantis a maduros, de ternos a ríspidos.
Somos igualmente poderosos e igualmente fracos.
E a metamorfose do ser humano, como a metamorfose do amor, gera pânico: que amor é esse que um dia me faz explodir de alegria e que no outro dia me implode?
Que ser é esse que sou, que um dia aceita as contingências de um sentimento mutante e que no outro dia o quer estático, igual como sempre foi?
Há exemplos mais simples.
Ele te amou e isso te fez feliz.
Ele deixou de te amar e isso te tornou infeliz.
Felicidade e dor em alternados momentos e pelo mesmo motivo.
Ela era passiva e caseira, e isso deixou você apaixonado.
Ela manteve-se passiva e caseira, e você passou a sonhá-la agitada e independente, e de repente não a quis mais.
Ela não mudou, mas você mudou, e o amor acompanhou a mudança.
Não há como parar o tempo, cristalizar o que nos enche de êxtase.
Este êxtase um dia se tranformará em algo que nos perfurará feito lâmina.
Porque assim é: a terra gira em torno do sol e nós giramos em torno de nós mesmos, sem descanso.
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