sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Tire-o da Cabeça.

Você estava apaixonado por alguém e levou um fora.
Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e incêndio na floresta.
Corações partidos é o grande drama nacional.
O que fazer?
Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar nossa fossa, e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à exaustão: tire esse cara da cabeça.
Parece fácil.
Mas alguém aí me diga: como é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios?
Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não.
É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação.
Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto: não gosto mais dele, não quero mais saber daquele prepotente, desapareça, um, dois e já!
Parece que funcionou.
Você sai na rua para testar.
Sim, você conseguiu: olhou vitrines, comeu um sorvete e folheou duas revistas sem derramar uma única lágrima.
Até que começa a tocar uma música no rádio e desanda a maionese.
Você não tirou coisa alguma da cabeça, ele ainda está lá, cantando baixinho pra você.
Táticas.
Não ficar em casa relendo cartas e revendo fotos.
Descole uma festa e produza-se para matar.
Você bem que tenta, mas nada sai como o planejado.
Os casais que se beijam ao seu lado são como socos no estômago.
Você se sente uma retardada na pista de dança.
Um carinha puxa papo com você e tudo o que ele diz é comparado com o que o seu ex diria, com o que o seu ex faria.
Chamem o EccoSalva.
Livros.
Um ótimo hábito, mas em vez de abstrair, você acha que tudo o que o escritor escreve é para você em particular, tudo tem semelhança com o que você está vivendo, mesmo que você esteja lendo sobre a erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia.
Viajar.
Quem vai na bagagem?
Ele.
Você fica olhando a paisagem pela janela do ônibus e só no que pensa é onde ele estará agora, sem notar que ele está ali mesmo, preso na sua mente.
Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar.
Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor.
Permitir-se recordar, chorar, ter saudade.
Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la.
Com fórceps é que a criatura não sai.

(14 de setembro de 1998)

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