“O Sentimento não encontra palavra que o descreva”, ela disse, e então calou-se.
Ela era assim mesmo, estranha e misteriosa.
Falava por monossílabos e era inútil tentar tirar-lhe algo mais.
Suas palavras tinham um tempo próprio, alheias às exigências do momento.
Só falava quando encontrava a justa forma pra dizer o que sentia.
E, naquela longínqua noite de inverno, a frase viera a propósito da música que estivéramos a ouvir, o quarteto Opus 132, de Beethoven.
Estávamos deitados sobre dois almofadões no chão, encolhidos e de mãos dadas sob os cobertores, quando ela falou.
A perfeição existia.
Olhei para ela.
Seu olhar atravessava minhas paredes e muros, e me peguei fazendo confidências, criando raízes.
Ela era a minha terra, a planície onde eu pousava após meus vôos turbulentos.
Mas a perfeição existe só de passagem, nunca para ficar, e então me veio um medo, um quase desejo de não ser feliz pra não perder a felicidade depois (O sentimento não encontra palavra que o descreva).
E então cortei, brusco, o fluir das palavras.
Mas ela não pareceu surpresa.
Conhecia a vida e os viventes.
Só não conhecia a palavra que descrevesse o sentimento.
Como eu.
Mas por todo aquele inverno seguimos na busca, juntos, e uma noite fizemos amor ao som de Beethoven. Depois daquela noite decidimos dar por encerrada a busca.
Agora, mais que nunca, aquele Sentimento não encontraria uma palavra que o descrevesse.
E então nos separamos.
Nunca mais a vi.
Depois dela, os sentimentos têm sido descritos com palavras tristes, melancólicas.
Os caminhos agora são outros e ao meu lado dorme uma outra mulher, que não me olha por dentro e que não sabe que Beethoven existe.
Mas ainda moro na mesma casa, e os almofadões ainda são os mesmos.
E nas noites de inverno ainda ponho a tocar o quarteto Opus 132, que me desperta um Sentimento antigo, ainda não descrito, que me consola.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário