Passou o requeijão no pão nu, com cuidado para não avançar a fronteira da casca. Moça meticulosa. Apresentou o açúcar ao café e, com ajuda da colherinha, os dois iniciaram uma dança no interior da xícara. No dia sem pressa, levou a fatia à boca e distraiu-se com a paisagem da mesa. Tomou um susto que lhe congelou a garganta. Buscou os óculos, “Cadê meus óculos?!”. Estava escrito no rótulo do requeijão: ele venceria no dia do seu aniversário. Teve certeza, aquilo era um sinal. Só não sabia de quê.
Pouco mais de quarenta dias. Era o que restava ao requeijão, condenado ao sair da fábrica. Era o que faltava para ela comemorar mais um ano da sua saída, não da fábrica, mas do ventre. Que não deixava de ser uma fábrica. E se, escondida no corpo, embalagem da alma, estivesse tatuada a data de seu fim? Olhou os pulsos, os tornozelos. Apanhou dois espelhos e conferiu a nuca, sempre encoberta pela longa cabeleira. Nada. “Melhor assim”, pensou.
Daquela manhã desapressada em diante, passou a ter uma pressa incomum. Urgências diversas para todas as coisas, como atender os pacientes no consultório, beijar o noivo, passear com os cães. E o medo, insólito, de expirar no dia do parabéns? E se sua vida também fosse assim breve? Nem sempre as respostas vêm assim, tão expressas como nas embalagens. Ainda bem.
Duas torradas assistiram ao fim do requeijão, antes mesmo da data fatal. Seu aniversário chegou, e com ele, a descoberta: vida, assim como amor, felicidade e saudade, não têm prazo de validade. Eles duram conforme o estoque.
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