"A solidão às vezes é tão nítida como uma companhia. Vou me adequando,vou me amoldando. Nem sempre é horrível. Às vezes é até bem mansinha. Mas sinto tão estranhamente que o amor acabou. (...) Repito sempre: sossega,sossega - o amor não é para o teu bico."
"E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça. Com requintes, com sofreguidão, com textos que me vêm prontos e faces que se sobrepõem às outras. Para que não me firam, minto. E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também. Não queria fazer mal a você. Não queria que você chorasse. Não queria cobrar absolutamente nada. Por que o Zen de repente escapa e se transforma em Sem? Sem que se consiga controlar".
"Malas, hotéis. E os amigos, cadê? Você foi lindo comigo. E distante. Me deu apoio, não o ombro. Queria tanto ter chorado a dor enorme de POA e a velhice de meus pais no Menino Deus no ombro de um amigo. Não temos tempo: somos maduros. Onde será que isso começa?"
"No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. e fantasio, fantasio. Até o último momento esperei que você me chamasse pelo telefone. Que você fosse ao aeroporto. Casablanca, última cena."
"Acho que sou bastante forte para sair de todas as situações em que entrei, embora tenha sido suficientemente fraco para entrar."
"Quem diria que viver ia dar nisso?"
"Será que, à medida que você vai vivendo, andando, viajando, vai ficando cada vez mais estrangeiro? Deve haver um porto."
"Penso, com mágoa, que o relacionamento da gente sempre foi um tanto unilateral, sei lá, não quero ser injusto nem nada - apenas me ferem muito esses teus silêncios."
"Não é verdade que as pessoas se repitam. O que se repetem são as situações."
"Mas eu nunca quis ser gostado por aquilo que não sou ou aparento ser."
"E se é verdade que o tempo não volta, também deveria ser verdade que os amigos não se perdem."
"Algumas vezes eu fiz muito mal para pessoas que me amaram. Não é paranóia não. É verdade. Sou tão talvez neuroticamente individualista que, quando acontece de alguém parecer aos meus olhos uma ameaça a essa individualidade, fico imediatamente cheio de espinhos - e corto relacionamentos com a maior frieza, às vezes firo, sou agressivo e tal. É preciso acabar com esse medo de ser tocado lá no fundo. Ou é preciso que alguém me toque profundamente para acabar com isso."
"Ando meio fatigado de procuras inúteis e sedes afetivas insaciáveis."
"Meu coração tá ferido de amar errado."
"Acho espantoso viver, acumular memórias, afetos."
"Que te dizer? Que te amo, que te esperarei um dia numa rodoviária, num aeroporto, que te acredito, que consegues mexer dentro-dentro de mim?"
"Eu já estou tão acostumado de me contar inteiramente a alguém, tão desacreditando na capacidade de compreensão do outro."
"Tô exausto de construir e demolir fantasias. Não quero me encantar com ninguém."
[Caio Fernando Abreu: Cartas]
Nenhum comentário:
Postar um comentário