quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Limitações do Flerte

Que fim levaram aquelas
que flertamos nos bares,
esquinas e aeroportos?

Não aquelas que levamos
ao restaurante, parques
e camas, mas aquelas tocadas
num leve aceno, de longe,
corpo fluindo e morrendo
na ponte aérea do instante.

Mas por que pensar nas distantes
que nem tocamos na mão ou fronte?

Preferimos jogar com a ausente?

É essa a nossa concreta fonte?

Como se vê, não adianta, não se aprende.

A gente aqui pensando nas que flertamos
de leve, em dois minutos intensos,
entre um sorriso e o gesto frustro,
enquanto, perto, pisamos brutos
o calcanhar da que está junto,
ou pulamos na jugular
da que nos cobre de frutos,
olhando por sobre os muros
as que ondeiam seus bustos
sobre a linha do horizonte.

- Amar com os olhos é mais fácil
e anônimo? - É mais fútil? É declarar
por telefone, apenas com um fio
de voz que enrosca os corpos e mentes,
ou melhor, numa vaga prolação, sem dormente
ou trilho que leve o trem-passageiro
ao outro corpo-estação.

Mas como é vegetativo esse amar plantado,
esgalhando o olhar furtivamente. A isso,
prefiro carnívoras plantas que se abraçam
e num sufoco se esmigalham deixando ao chão
sementes em que piso, convertendo a morte havida
em refluir de raízes.

Flertar é texto-antigo, é bordar caligrafias
quando há guerra e telegramas. Flertar é prefácio
e eu quero logo desfolhar o livro. Flertar é usar
binóculos
devastando camarotes oblíquos
quando o drama está no palco
- e em nossos corpos aflitos.

Amar assim tão voyeurista, é tão perverso
como amar só por carta, com a caneta em riste
e triste
é pior que conhecer estrela só na foto,
é apenas vê-la de luneta, correr atrás de um cometa

É chamar a fêmea sem macho
na padaria. É cear ante um retrato
e uma cadeira vazia.

Isto de amar de longe, só com os olhos,
não é sequer ir à caça. É ir à exposição
de animal de raça. É ver decoração em loja,
olhar por trás da vitrina um feriado que passa.

É coisa de telegrafista ou coisa de mau amador
de rádio, ouvindo só os ruídos
do outro lado da antena e cama.

Não é tocar de ouvido partitura desconhecida.
O músico, nisso, é o contrário, vai mais fundo
pois pega com as mãos e arpeja
a música com os dedos.

E eu tenho essa mania de amar como o invasor
pulando os muros de Roma, como o astronauta
se acolchoando na câmara, como o casulo
se entretecendo no claro-e-escuro,
enfim, como a gavinha da barroca parreira
crescendo a sede das vinhas.

Um amar estabanado, como a criança quebrando
o delicado brinquedo e derramando a alma
dos pichos sobre o tapete do medo.

Comigo é assim:
ficar olhando não basta. Vou logo
precipitando borrasca e estrela.

Que se cuide o olhar alheio quando
olho com o corpo inteiro, porque alojo fácil,
peço café e pijama, e fico pastando
com esse olhar de boi manso
no breve espaço da cama.

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