quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Não, não me fale em medo, paciência, tempo que vai chegar. Não volte dois espaços, não negue, apareça. Sou vírgulas, você é lacunas. “Claro, o dia de amanhã cuidará do dia de amanhã e tudo chegará no tempo exato. Mas e o dia de hoje?” É agora que quero dividir maçãs, achar o fim do arco-íris, pisar sobre estrelas e acordar serena. É para já que preciso contar as descobertas, alisar seu peito, preparar uma massa e cantar as velhas canções. Não posso esperar. Tenho a mesa posta, toalhas brancas, ombros moles e uma alma que só saber viver presentes. Sem esperas, sem amarras, sem receios, sem cobertas, sem idéias, sem voz, sem sentido. Com uma única certeza.

É preciso que você venha. É preciso que você venha nesse exato instante. Agora que não há conceitos e os nomes ainda são desprezíveis. Venha e escreva uma longa e cafona novela mexicana, com laquê nas expressões. Rime prazer com agonia, grafite paredes com os clichês dos amantes, acorde dentro de mim, lamba pernas com os seus cabelos lisos e reais. É tudo um vazio cheio de portas, com caminhos confusos e simples que levam ao único lugar possível a quem ousa chamar de amor o que não deveria ter nome: o desconhecido. Seja forte. Porque é preciso coragem para se arriscar num futuro incerto, cuja estrada embriaga até mesmo quem tem passos firmes e saber fazer o quatro. Esqueça os on-the-rocks. Seja cowboy, macho, gente, animal, mistério, doçura, pegação. Abandone os antes. Meu nome é já e nossos pés paralelos se tocam no finito. Chame do que quiser. Mas venha.



Preciso dizer-lhe o que você talvez ainda não saiba: existem lobisomens que comem flores. Você sabia que existem lobisomens que comem flores? Você sabia disso, meubem? Daqui quase posso vê-lo, no meio de um grande corredor colorido. Buganvílias, rosas, cravos, azaléias, orquídeas, gérberas, gerânios. Não sei suas preferidas, mas percebo uma sutileza no ar. Médico e monstro, dor e riso, o impossível e o real. Opostos quase palpáveis, fechando metades, descobrindo o mundo, abrindo clareiras no matagal das emoções. Você sabia que o impossível mora no nosso quintal? Você sabia que os galos cantam, todos os dias, para que a coragem desperte e Deus renove sua misericórida sobre todos os que pecam. Qual é seu maior pecado, meu bem?



Hoje sou luxúria. Espero mãos pesadas, ópio na veia, sol de giz riscado no chão. Quero dividir meus erros, arranhar minha loucura, arrastar cabelos aos seus pés. Não cale. Entregue, apele. Posso descobrir mazelas escondidas e transformar seu corpo em juízo final. Marque o x e verá uma fila inesgotável de possibilidades adormecidas estendidas no seu varal. Seja. Porque estamos tão perto e tão longe e claros e cheios e inertes e ofegantes. Sou o chá, o veneno, a cura, a espera, a certeza, o presente, a solução. Reconheço enganos. E o meu medo é do seu medo de ter medo. Porque não quero amizade, paixão, carinho, admiração, respeito, ternura, tesão. Quero o que é e não tem muro. Escolhi o amor da prateleira e aprendi a só entender o sim. Se o seu modo é não, vá embora. Não olhe para trás. Renego estátuas de sal e abomino divisões. Se é para pular, que seja já. Porque hoje é hoje; e amanhã, amanhã ninguém sabe.


[in Ovelhas Negras]

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