quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O coração avenida

Para ela, nada além de um movimentado piso de concreto


Dia desses, uma garota disse que meu coração é uma imensa avenida, por onde muita gente passa, mas ninguém fica. Pedaço movimentado do mundo, onde vez ou outra se dá um confuso engarrafamento, quando as portas se trancam e ninguém consegue entrar, muito menos sair. Ela continuou, dizendo que, quando alguém ficava parado lá, era por algum motivo que logo ia ser resolvido - um pneu furado, água no radiador, qualquer defeito bobo na rebimboca da parafuseta. Coisas que um simples toque certeiro seria capaz de consertar. E aí logo, logo, a avenida estaria livre de novo, para aquela movimentação toda recomeçar.

Não concordei com ela. Principalmente com a parte dos carros que só param quando dão algum tipo de defeito. Quisera eu ter mesmo um coração grandioso assim, tal qual uma avenida imensa, espaçosa, onde coubesse todo mundo de quem eu realmente gostaria de gostar. Aí, sim, eu fecharia entrada e saída, e passaria os meus dias aproveitando cada minuto com o coração lotado de pessoas queridas indo pra lá e pra cá, buzinando à vontade, só curtindo a paisagem.

Foi quando ela terminou seu discurso que eu olhei para dentro de mim mesmo e vi que ela poderia muito bem estar correta. Para fechar a conta, a menina disse que meu coração era, sim, uma descomunal avenida, e ela sabia tão bem disso porque era perceptível a quantidade de buracos que havia pelo percurso. Pronto, naquele momento, para mim, tudo já havia sido dito, estávamos finalmente em vias de concordar um com o outro. Mas apenas quando ela disse que era a pessoa certa para conseguir tapar esses buracos e fazer com que a avenida ficasse novinha em folha que eu realmente dei o assunto por encerrado.


Texto de Bruno Reis e disponível aqui assim ó.
*Bruno Reis, é publicitário por formação, escritor por paixão e teimoso por falta de opção. Aguarda por alguém para finalmente pavimentar sua avenida.

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