A ansiedade continuava a durar em mim naquela noite, enquanto desembrulhava os presentes em casa. Os linotipistas desacertaram com uma cafeteira elétrica igual às três de meus aniver-sários anteriores. Os tipógrafos me deram de presente uma autorização para apanhar um gato angorá no depósito municipal. A gerência me deu uma bonificação simbólica. As secretárias me deram três cuecas de seda com marcas de beijos estampados e um cartãozinho em que se ofereciam para apagá-los. Na hora, pensei que um dos encantos da velhice são as provoca-ções que as amigas jovens se permitem, achando que a gente está fora do jogo.
Jamais soube quem me mandou um disco que trazia os vinte e quatro prelúdios de Chopin com Stefan Askenase. Os redatores, em sua maioria, me deram livros que estavam na moda. Não havia acabado de desembrulhar os presentes quando Rosa Cabarcas me ligou com a pergunta que eu não queria ouvir: O que aconteceu com a menina? Nada, respondi sem pensar. Você acha que não ter nem acordado a menina é nada?, disse Rosa Cabarcas. Uma mulher não perdoa nunca que um homem a despreze na estréia. Aleguei que a menina não poderia estar tão exausta só de pregar botões e que talvez tenha bancado a adormecida de tanto medo do mau transe. A única coisa grave, disse Rosa, é que ela acha de verdade que você já não serve mais, e eu não gostaria que a menina andasse por aí espalhando isso aos quatro ventos.
[Memórias de Minhas Putas Tristes]
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