quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Não sei por que motivo, eu, o Lobo da Estepe, o sem pátria e solitário odiador mundo burguês, sempre morei em verdadeiras casas burguesas, talvez por um velho sentimentalismo de minha parte. Não vivia nem em palácios nem em casas proletárias, mas precisamente naqueles ninhos da pequena-burguesia, decen-tíssimos, cheios de tédio e cuidadosamente conservados, onde há sempre um cheiro de terebentina e sabão e onde todos se sobressaltam quando alguém deixa a porta bater com força ou entra com sapatos sujos de lama. O amor por essa atmosfera vinda, sem dúvida, de minha infância, e meu secreto anseio por algo assim como um lar sempre me leva desesperadamen-te por esses velhos e estúpidos caminhos. Além disso, agrada-me o contraste que apresenta a minha vida, esta minha vida solitária, sem amor, gasta e inteiramente desordenada, em relação ao ambiente familiar e burguês. Agrada-me respirar na escada este cheiro de calma, de ordem, de limpeza, de decência e de domesticidade, o que, apesar de meu desprezo pela burguesia, tem sempre algo de comovente para mim, e me apraz também atravessar o umbral do meu quarto, em cujo interior tudo isso se acaba, onde entre os montões de livros aparecem pontas de cigarro e garrafas de vinho vazias, onde tudo está desordenado e negligente, e onde tudo, livros, manuscritos, pensamentos, está marcado e embebido pela miséria do solitário, pela problemática do ser humano, pelo anseio de dar um novo sentido a uma vida humana que já perde seu rumo.

[O Lobo da Estepe]

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