sábado, 29 de janeiro de 2011

clandestinudez

Entre vários livros escolhi o de nome desconhecido. Não quis Voltaire, Gullar, Veríssimo. Eu quero apenas um livro de autor desconhecido. Comprei. Os olhos da cara, Companhia das Letras e a autora deve ser conhecida. Eu é que não a conheço. Sentei na sala de espera, que era mesmo um portão de embarque. Mas, para mim, não passava de uma sala de espera. Todo mundo esperando algo. E comecei a ler. Livro ruim, capa bonita, história repetida. Adultério, skype e uma combinação de pop rock e MPB. Eu quis morrer. Deveria ter escolhido o Gullar. Mas deixa. Nem sempre a gente faz a escolha certa. Eu vivo escolhendo errado e considero meus erros muito bem elaborados. Não me ferem mais. Levanto e vou ao café. Aos goles a surdina de minha saudade. Eu amava mesmo ou me enganava? Vai saber. Um dia você troca e-mails, no outro troca endereços e, mais rápido do que se pensa, já estão íntimos. Você e o outro. O outro é a cara na webcam. Ajusta a imagem, arruma os cabelos e sorri. E surgem as perguntas, a novidade, o amor em megapixels e sacanagem. Vamos nos ver? Tudo combinado feito peixe e aquário. Eu, assim como milhões, amei virtual. E, deste ponto em diante, senti medo de ver a pessoa. A carne. O osso. E eu vi. Paguei pra ver. Era um homem alto, de sotaque forte, pernas e pêlos e muitos hormônios. Parecíamos estar em algum filme do Corujão. Nada pode ser tão perfeito assim. Do virtual ao vento que refresca o rosto, estive com a outra parte de minhas noites. Era a madrugada inteira de conversa, e-mails enormes de vontade e, como manda o figurino, abracadabra: 3 anos de amor em Garamond. E era tudo tão perfeito, tão mão e luva, e eu queria estar ao seu lado não me importava como. Assustei-me. Obliquo à direita do verbo. O plano saiu do papel ou da tela do computador e eu fiz de tudo para estar ao lado da imagem que era tão bela na câmera e mais bela ainda na cama de solteiro de um quarto qualquer. Eu amei. Era tonta mulher de bossa nova. Amando de todo jeito, eu dei tanto presente e fiz tudo do meu jeito: Incompreensível. Éramos iguais. Mas, tal como a esposa que fuça a carteira do marido, remexi tua vida e deixei tudo de cabeça pra baixo. Um dia, lembro bem, consegui a senha de seu e-mail e li tantas coisas similares às coisas que me eram ditas por você. Até as cenas do próximo capítulo. Era tudo igual. Eu, a mula quadrada exposta ao ridículo, sofri recatada minha decepção. Porque eu realmente esperava que fosse inédita. Mas nunca fui. Eu era reprise. Você bem que disse que amava em excesso. Eu admito que li e-mails endereçados a outras mulheres como se fossem a mim escritos. Poemas do Neruda, de outros, de poetas latinos e algumas citações e tuas partes nuas em fotos de convites para sexo. Tremi ao ver tua nudez clandestina errando meus alvos. Mas fazer o quê? Penso que acreditei em demasia na fantasia que carrego desde a infância. Homem alado, bonito, apaixonado e querendo sem fim. Eu acreditava. Sonhava. Se ainda sonho? Sonho todas as noites. Acredito na paz mundial. Vez por outra, ainda choro bêbada de lembrança. Mas, de você, nada tenho a dizer. Fica o vazio da saudade em Ctrl-C + Ctrl-V e mantenho minhas revoltas em uma pasta guardada à senha para as horas de odiar você.


Disponível aqui ó.

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