Minha irmã e a mãe faziam compras. Afinal sozinha, a casa inteira para mim. De roupão, antes de entrar no banho, dava os últimos retoques diante do espelho.
De repente, com susto, senti que não estava só. Um cheiro no ar? Um estalido no soalho? Uma sombra no canto do olho?
Pronto! Aquela mão suada me tapou a boca. E a outra afogava o pescoço.
— Não grite! Nem um pio. Que eu te mato!
Me empurrou contra a parede. Abriu com violência o roupão.
— Oba!
Ai de mim, apenas calcinha e sutiã. Daí ele começou a fazer coisas.
Me beijou o rosto, o pescoço, um seio e outro. Ui, que nojo. Gemendo, se esfregava no meu corpo.
Todo vestido. Só abriu o zíper da calça.
— Faça tudo o que eu mandar. Bem quietinha.
Sem aliviar a mão esquerda no meu pescoço.
— Já matei uma. Não me custa apagar outra!
E arrancou o meu roupão. Tentei correr para a porta. Me sacudiu pelo cabelo e esfregou a cara na parede.
— Quer morrer, sua vadia?
Era o bafo podre da morte. O corpo não parava quieto, tanto que eu tremia. O coração me batia aos saltos no joelho.
Em desespero, chorava e soluçava baixinho. Tão assustada, nem me defendia. Sem força de erguer os braços.
Daí percebi que ele tentava, mas não conseguia. Acho que eu estava muito nervosa e chorando sem parar. Ele beijava e chupava ora um seio, ora outro. Me corria a mão boba pelo corpo.
— Não sabe que deve lutar? Por que não se defende como as outras?
Ele que não sabia: essa carne, com fúria manuseada, já não era a minha. Para não enlouquecer, de tamanho horror, me desligara do próprio corpo. Aquele pobre objeto seminu pertencia a outra.
A minha querida boneca, ela sim a melhor amiga, chorando com olhinho de vidro ao meu lado — e não eu, não eu —, que era desfrutada pelo monstro. Me xingava de piranha e cadela. Mandava eu calar a boca, assim ele não conseguia.
— Abra o olho. Não pisque. Feche o olho. Que porra. É o mesmo olho azul de minha mãe.
Daí eu pedi e supliquei. Em nome da santa mãezinha dele. Não me fizesse mal.
— Ela está me olhando com a tua cara!
Podia levar tudo de valor na casa. Pelo amor de Deus, me deixasse em paz. Era noiva e ia casar em três meses.
Ao falar que estava noiva ele assanhado começou tudo de novo.
— Aposto que é muito safadinha, né? Não transa com teu noivo? O que você faz com ele? Fala, sua vadia!
Ah, não fala? Que ficasse de joelho. Outra vez, de pé. Sentada. Deitada. De costas. Pernas fechadas. E abertas. Bem abertas.
E nada.
Cada vez mais irritado. E mais gago. A culpada era eu. Que só chorava. E só sabia tremer. Que porra.
— Não aprendeu nada? Não trepa com teu noivo? É boiola, por acaso?
Esse viadão, ele bem podia avisá-lo: eu era imprestável. Mais fria que uma puta velha. Se, ao menos, estivesse vestida. Gostava mesmo era de arrancar a tua roupa. Rebentar. Rasgar. Assim, quase nua, calcinha muito sem graça, não lhe agradava.
Disse que todas choram. Mas eu era a pior. Se a mulher soubesse a bruxa que fica, nunca mais chorava. Grande merda.
Chegou a mandar que botasse uma saia e blusa. Sapato de salto alto. Ou, melhor, um vestido. Vermelho, se tivesse.
Então olhou o relógio. E desistiu. Porra. E mais porra.
— Que tanto chora e treme e se desespera? O que tem de mais? Pensa que é a primeira? E a única? Nem é tão ruim assim. Algumas bem que gostam. Uma ruiva, quando eu saía, pediu que voltasse. E quis me dar uma rosa ou cravo, sei lá.
Ofendido e gaguejando.
— Mas eu avisei: "Macho não ganha flor."
Me olhou de soslaio.
— O que eu quero...
Enxugava a cara molhada de suor — e sem tirar o óculo escuro.
— ...vou lá e me sirvo.
Jogou a toalha num canto.
— Ah, se eu tivesse tempo. Porra. Já te ensinava o que é bom. Porra.
Uma hora tinha se passado. Uma hora que, no relógio parado da memória, se repetiria em mil horas inteiras de tortura e terror. E pelo resto da vida quantas vezes seria eu, indefesa no sonho, o pasto de tal bicho espumante de raiva?
Afinal ele parava de tentar. E fechou o zíper da calça.
Já não me olhava de frente. Acho que com vergonha, já pensou? Porque nada tinha conseguido.
— Agora te deixo aqui pelada.
Chutando o roupão debaixo da cama.
— Você desta vez se livrou.
Ressentido e com ódio.
— Só porque é uma vadia de olho azul. Como aquela outra.
Recolheu no chão a sua velha mochila.
— Senta aí na cama. Não se mexa daí. Até eu bater a porta. Senão eu volto. E será pior pra você. Ouviu, sua puta?
Foi catando na penteadeira o meu relógio de pulso, o celular, o cartão do banco. E, no estojinho azul de porcelana — ai, não —, até umas pobres jóias que a avó deixou.
Antes de sair, espiou em volta.
— Me dá a calcinha.
Que desgraçado.
Colheu a última peça. Macho não ganha flor. Se olhou demorado no espelho. Ainda surpreso e incrédulo, gaguejante.
— Que porra. Isso nunca me aconteceu!
Ajeitou o óculo escuro e o boné vermelho. Gostou do que viu. O que eu quero, vou lá e me sirvo.
E lá se foi.
Tremendo e chorando, me vesti todinha. Mas não deixei o quarto. Ali sentada, chorando e tremendo, até a volta de minha mãe.
Nunca mais ela esqueceu de fechar a porta. Com dois giros na chave.
Cada dia a gente notava a falta de algum objeto. Mas isso era o de menos.
Mudamos de bairro. Fiz tratamento com uma terapeuta. Tomei tranqüilizante e antidepressivo. Dois a três comprimidos por dia, mas pouco adiantou.
Uma vez engoli um punhado deles. Não foi o bastante. Só dormi uma noite e um dia inteiro.
Na mesma cama, do olhinho de vidro escorrendo uma lágrima azul, essa boneca toda em cacos.
O noivo, que me adora, apoiou sem reserva. Ao meu lado no desespero e no horror. Não perdeu a esperança. E me salvou de mim mesma.
Seis meses depois, casamos.
Deve ser problema meu, sei lá. O nosso relacionamento não está dando certo.
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