Foi em Praga, na República Tcheca, que surgiu o hábito do "café pendente".
Tudo começou com o personagem de um livro.
Ele entra num bar, toma um café e, quando vem a conta, paga dois, explicando pra garçonete: "Pago o meu e deixo um pendente".
Inaugurou-se assim o costume de se deixar pagos dois, para o caso de surgir alguém sem trocado para um cafezinho.
A Livraria Argumento, do Rio, que tem em suas dependências o charmoso Café Severino, adotou esse esquema, rebatizando-o de "café do próximo".
Colocou um quadro-negro na entrada e ali vai anotando todos os cafés pendentes do dia, aqueles que já foram pagos.
Às vezes tem dois, às vezes três, às vezes nenhum.
Quem chega sem grana e vê ali no quadro que há um café pendente, pode pedi-lo sem constrangimento.
Quando voltar outro dia, com dinheiro, poderá, se quiser, pagar dois e retribuir a gentileza para o próximo desprevenido.
E assim mantém-se a corrente e ninguém fica sem café.
Num país como o nosso, com tanta gente passando dificuldades e com governantes tão desinteressados no bem-estar social, esta história me pareceu quase uma parábola.
Num cantinho do Rio de Janeiro, uns pagam os cafés dos outros, colocando em prática o tal "fazer o bem sem olhar a quem".
Claro que é apenas um charme que a livraria oferece, sem pretensões de mudar o mundo, mas eu fico pensando que este tipo de mentalidade poderia ser mais propagada entre nós.
Imagine se a moda pega em açougues, mercados, cinemas.
Você compra seis salsichões e paga sete, deixando um pendente.
Você faz as compras no mercado e deixa dois quilos de arroz pendentes.
Vai ao cinema e, em vez de comprar uma entrada, compra duas. Em todos os estabelecimentos comerciais do país, haveria um quadro-negro avisando as pendências destinadas ao próximo.
Não soluciona nada, mas é simpático.
Tá bom, eu sei, posso até ver a confusão.
Uns não iriam topar deixar pago nem um copo d'água para estes "vagabundos que não trabalham".
Alguns comerciantes rejeitariam a proposta sob o argumento de que "meu estabelecimento vai ficar cheio de mendigos".
Realmente, talvez não seja uma boa idéia para ganhar as ruas, ao menos não num país onde a carência é tanta, a falta de segurança é tanta, a desordem é tanta, e a malandragem nem se fala.
Melhor deixar o "café do próximo" como um charme a mais dentro de uma livraria carioca.
Mas de uma coisa não tenho dúvida: este exemplo pequeníssimo de boa vontade terá que um dia ser ampliado por todos nós.
Vai ter uma hora em que a gente vai ter que parar de blablablá e fazer alguma coisa de fato.
Ou a gente estende a mão pro tal do próximo, ou o próximo vai continuar exigindo o dele com uma faca apontada pra nossa garganta.
Esperar alguma atitude vinda de Brasília? Aqueles não são os próximos, aqueles são os cada vez mais distantes.
Deles não esperemos nada.
Ou a sociedade se mexe e estabelece novas formas de convívio social, com idéias simples, mas operacionais, ou o café do próximo vai nos custar cada vez mais caro.
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