A vida é como uma casa. Na sua idade, a gente constrói...na minha, a gente compra pronta.
"Lαdo α lαdo com o desejo de defender α própriα intimidαde, há o desejo intenso de me confessαr em público e não α um pαdre." [Clαrice Lispector]
quarta-feira, 20 de abril de 2011
Arte de Amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Receita para mal de amor
Minha querida amiga:
Sim, é para você mesma que estou escrevendo - você que aquela noite disse que estava com vontade de me pedir conselhos, mas tinha vergonha e achava que não valia a pena, e acabou me formulando uma pergunta ingênua:
- Como é que a gente faz para esquecer uma pessoa?
E logo depois me pediu que não pensasse nisso e esquecesse a pergunta, dizendo que achava que tinha bebido um ou dois uísques a mais...
Sei como você está sofrendo, e prefiro lhe responder assim pelas páginas de uma revista - fazendo de conta que me dirijo a um destinatário suposto.
Destinatário, destinatária... Bonita palavra: não devia querer dizer apenas aquele ou aquela a quem se destina uma carta, devia querer dizer também a pessoa que é dona do destino da gente. Joana é minha destinatária. Meu destino está em suas mãos; a ela se destinam meus pensamentos, minhas lembranças, o que sinto e o que sou: todo esse complexo mais ou menos melancólico e todavia tão veemente de coisas que eu nasci e me tornei.
Se me derem para encher uma fórmula impressa ou uma ficha de hotel eu poderei escrever assim: Procedência - Cachoeiro do Itapemirim; Destino - Joana. Pois é somente para ela que eu marcho. No táxi, no bonde, no avião, na rua, não interessa a direção em que me movo, meu destino é Joana. Que importa saber que jamais chegarei a meu destino?
Isso eu gostaria de lhe dizer, minha amiga, com a autoridade triste do mais vivido e mais sofrido: amar é um ato de paciência e de humildade; é uma longa devoção. Você me responderá que não é nada disso; que você já chegou ao seu destinatário e foi devolvida como se fosse uma carta com endereço errado. Que teve alguns dias, algumas horas de felicidade, e por isso agora sofre de maneira insuportável. Então, lhe aconselho a comprar um canivete bem amolado e afinar dezoito pedacinhos de pau até ficarem bem pontudos, bem lisos, perfeitamente torneados - e depois deixá-los a um canto. Apanhar uma folha de papel tamanho ofício e enchê-la toda, todinha, de alto a baixo, com o nome de seu amado, escrevendo uma letra bem bonita, de preferência com tinta azul. Em seguida, faça com essa folha um aviãozinho, e o jogue pela janela. Observe o vôo e a aterrizagem. Depois desça, vá lá fora, apanhe o avião de papel, desdobre a folha novamente (pode passá-la a ferro, para o serviço ficar mais perfeito e não haver mais nenhum indício da construção aeronáutica) e volte a dobrá-la, desta vez ao meio. Dobre outras vezes, até obter o menor retângulo possível. Então, com o canivete, vá cortando as partes dobradas até transformar toda a folha em minúsculos papeizinhos, tão pequenos que o nome de seu amado não deve caber inteiro em nenhum deles. Aí, apanhe todos aqueles pauzinhos que tinha deixado a um canto e, com os pedacinhos de papel, faça uma fogueira com o máximo cuidado até que restem somente cinzas. A seguir poderá repetir a operação...
- Adianta alguma coisa?
Por favor, querida amiga, não me faça esta pergunta. Nada adianta coisa alguma, a não ser o tempo; e fazer fogueirinhas é um meio tão bom quanto qualquer outro de passar o tempo.
As luvas
Só ontem o descobri, atirado atrás de uns livros, o pequeno par de luvas pretas. Fiquei um instante a imaginar de quem poderia ser, e logo concluí que sua dona é aquela mulher miúda, de risada clara e brusca e lágrimas fáceis, que veio duas vezes, nunca me quis dar o telefone nem o endereço, e sumiu há mais de uma semana. Sim, suas mãos são assim pequenas, e na última noite ela estava vestida de escuro, os cabelos enrolados no alto da cabeça. Revejo-a se penteando, com três grampos na boca; lembro-me de seu riso e também de suas palavras de melancolia no fim da aventura banal. Eu quis ser cavalheiro, sair, levá-la em casa. Ela aceitou apenas que eu chamasse um táxi pelo telefone, e que a ajudasse a vestir o capote; disse que voltaria...
Talvez telefone outro dia, e volte; talvez, como aconteceu uma vez, entre suas duas visitas, fique aborrecida por me telefonar em uma tarde em que tenho algum compromisso para a noite. "A verdade" - me lembro dessas palavras de uma tristeza banal -"é que a gente procura uma aventura assim para ter uma coisa bem fugaz, sem compromisso, quase sem sentimento; mas ou acaba decepcionada ou sentimental..." Lembrei-lhe a letra de uma velha música americana: "I am getting sentimental over you". Ela riu, conhecia a canção, cantarolou-a um instante, e como eu a olhasse com um grande carinho meio de brincadeira, meio a sério, me declarou que eu não era obrigado a fazer essas caras para ela, e dispensava perfeitamente qualquer gentileza e me detestaria se eu quisesse ser falso e gentil. Juntou, quase nervosa, que também não lhe importava o que eu pudesse pensar a seu respeito; e que mesmo que pensasse o pior, eu teria razão; que eu tinha todo o direito de achá-la fácil e leviana, mas só não tinha o direito de tentar fazê-la de tola. Que mania que os homens têm...
Interrompi-a. Que ela, pelo amor de Deus, não me falasse mal dos homens; que isso era muito feio; e que a seu respeito eu achava apenas que era uma flor, um anjo "y muy buena moza".
Meu bom humor fê-la sorrir. Na hora de sair disse que ia me dizer uma coisa, depois resolveu não dizer. Não insisti. "Telefono". E não a vi mais.
Com certeza não a verei mais, e não ficaremos os dois nem decepcionados nem sentimentais, apenas com uma vaga e suave lembrança um do outro, lembrança que um dia se perderá.
Pego as pequenas luvas pretas. Têm um ar abandonado e infeliz, como toda luva esquecida pelas mãos. Os dedos assumem gestos sem alma, e todavia tristes. É extraordinário como parecem mortas e ao mesmo tempo ainda carregadas de toda a tristeza da vida. A parte do dorso é lisa; mas pelo lado de dentro ficaram marcadas todas as dobras das falanges, ficaram impressas, como em Verônica, as fisionomias dos dedos. É um objeto inerte e lamentável, mas tem as rugas da vida, e também um vago perfume.
O telefone chama. Vou atender, levo maquinalmente na mão o par de luvas. A voz é de mulher e hesito um instante, comovido. Mas é apenas a senhora de um amigo que me lembra o convite para o jantar. Visto-me devagar, e quando vou saindo vejo sobre a mesa o par de luvas. Seguro-o um instante como se tivesse na mão um problema; e o atiro outra vez para trás dos livros, onde estavam antes.
[Santiago, outubro, 1955]
quarta-feira, 13 de abril de 2011
O Livro dos Abraços
Enquanto passava a limpo nomes e endereços e telefones para a agenda nova, eu ia passando a limpo também o entrevero dos tempos e das gentes que acabava de viver, um turbilhão de alegrias e feridas, todas muito, sempre muito, e esse foi um longo duelo entre os mortos que mortos ficaram na zona morta do meu coração, e uma enorme, muito mais enorme celebração dos vivos que acendiam meu sangue e aumentavam meu coração sobrevivido. E não tinha nada de mais, nada de mal, que meu coração tivesse se quebrado, de tão usado.
Romance [Chico Buarque]
Te sequestrei
Vou te reter pra sempre
Na minha idéia
(...)
Na minha idéia
Vives plenamente
És a pessoa
Com todas as canções
Os momentos bons e as horas más
Que a memória coa
Nas horas à toa
Às vezes ando a cismar
Futuros Amantes
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
sábado, 9 de abril de 2011
Tudo para ficar com ele
Cinquenta por cento do que se fala brincando é verdade. Porque falar brincando é uma maneira gentil de dizer a verdade sem ofender a outra pessoa...
Tara road - Aprendendo a Viver
Às vezes, a melhor maneira de se encontrar é se perder na vida de alguém.
Libra em capricórnio
Quilos? Arrobas? Quilates? Para que tantos pesos se nos olhos dela encontrei a balança mais precisa. Em um movimento sutil, eles se inclinavam quando ela estava triste.
Disponível aqui ó.
“Você ainda me ama?” – entre milhões, a única pergunta que merece ser feita depois de uma traição.
Disponível aqui ó.
ex(coliose)
O fim do namoro é como a dor nas costas. Sente-se uma pontada tamanha que incomoda em qualquer postura ou momento. Espremido o nervo ciático deste coração teimoso, resta apenas a cama. Deitado, busca-se um lugar para aliviar a pressão, um canto para fugir do rolo compressor que se alastra por todo corpo. Quer sair, quer ver amigos, quer esquecer-se. Não pode. A simples tentativa de reerguer é punida, nem o pensamento mais longe nasce livre da lembrança.
Tenta-se analgésicos, massagens, acupuntura... Nada. São tratamentos tão eficazes quanto um placebo. Resta a cama e o tempo, remédios que nossas avós já conheciam para acabar com decepção amorosa ou dor nas costas. Uma hora, finalmente pode-se levantar e sair. Mas o nervo fica. Não exposto, porém latente. E mesmo anos depois, em um movimento tolo, para pegar a sacola do supermercado ou a lembrança daquela pessoa, sente-se a pontada novamente. Sempre latente.
Disponível aqui ó.
Memória de minhas putas tristes
Havia achado, sempre, que morrer de amor não era outra coisa além de uma licença poética. Naquela tarde, de regresso para casa outra vez, sem o gato e sem ela, comprovei que não apenas era possível, mas que eu mesmo, velho e sem ninguém, estava morrendo de amor. E também percebi que era válida a verdade contrária: não trocaria por nada neste mundo as delícias do meu desassossego. Havia perdido mais de quinze anos tratando de traduzir os cantos de Leopardi, e só naquela tarde os senti a fundo:
Ai de mim, se for amor, como atormenta...
Ipsis Litteris
Ela disse que sua vida era um livro aberto e, para garantir que todos leriam os melhores trechos, me escolheu para ser seu marcador de páginas.
Disponível aqui ó.
sexta-feira, 8 de abril de 2011
Através do espelho
As coisas que vai aprendendo ela anota num caderninho. Ali ela escreveu, por exemplo: "Nós enxergamos tudo num espelho, obscuramente. Às vezes conseguimos ter uma visão de como são as coisas do outro lado. Se conseguíssemos polir mais esse espelho, veríamos muito mais coisas. Porém não enxergaríamos mais a nós mesmos.
Não há coincidências
Deve ser isto gostar muito de uma pessoa.
Querer sem interferir, desejar sem possuir, amar sem exigir.
A Queda
Conheci um homem que deu vinte anos de sua vida a uma desmiolada, por quem tudo sacrificou, as amizades, o trabalho, a própria decência de sua vida, para uma noite reconhecer que nunca a havia amado. Ele se entediava, nada mais; entediava-se como a maior parte das pessoas. Tinha construído, peça por peça, uma vida de complicações e de dramas. É preciso que algo aconteça, eis a explicação da maior parte dos compromissos humanos. É preciso que algo aconteça, mesmo a servidão sem amor, mesmo a guerra ou a morte.
Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da inconsciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos…O sentirmo-nos é então um campo deserto a escurecer, triste de juncos ao pé de um rio sem barcos, negrejando claramente entre margens afastadas.
A arte da prudência
Alguns amigos são bons para ficar longe, outros perto. Aqueles que não são bons para a conversa, podem ser para a corrêspondencia. A distância disfarça certos defeitos que a proximidade torna insuportáveis. Não se deve buscar apenas prazer nas amizades, mas utilidade. O amigo é todas as coisas e deve ter as três utilidades do bem : unidade, bondade e verdade. São poucos os que servem para bons companheiros e não saber escolhe-los reduz mais ainda as possibilidades. Conservar as amizades é ainda mais importante que faze-las .Devemos buscar laços duradouros e considerar que os novos amigos poderão se tornar velhos um dia.Não há deserto compáravel a viver sem amigos. A amizade multiplica os bens e divide os males. É o unico remédio contra a adversidade e um alento para a alma.
A Casa dos Budas Ditosos
- Abra as pernas para mim.
Eu abri, ele curvou meus joelhos para cima, afastou minhas coxas ainda mais – ai, que momento lindo! -, encostou a glande bem no lugar certo, agarrou meus ombros com os braços em gancho pelas minhas costas, abriu a boca para me beijar com a língua enroscada na minha e, num movimento único e poderoso, se enfiou em mim. Senti uma dor fina e quase um estalo, cheguei a querer deslizar de costas pelo colchão acima, mas ele somente enfiou-se em mim até o cabo e ficou lá dentro parado, me segurando forte, para só então terminar o beijo, erguer o tronco e começar a me foder, olhando para a minha cara. E então, com a expressão de homem mais bonita que já vi na minha vida e exalando um cheiro para sempre irreproduzível, gozou muito fundo dentro de mim e eu senti, senti mesmo, aquele jato me inundar gloriosamente aos borbotões, aquela pica grossa e macia pulsando ereta dentro de mim, ai! Eu não gozei, mas só tecnicamente, porque de outra forma gozei muito naquele momento, não posso descrever minha felicidade, minha profusão de sentimentos, me sentir mulher, me sentir fodida, me orgulhar de ter sido esporrada em meio a meu sangue, sem fricotes, como uma verdadeira fêmea deve ser inaugurada por um verdadeiro macho.
quinta-feira, 7 de abril de 2011
Sou todo saudade
A saudade é uma separação que inventou o casamento.
Não é reencontrando minha mulher que desfaço o mal-estar de ter estado longe. Ainda que seja uma hora, um dia, uma semana.
Sentir saudade agora é sentir as saudades de minha vida com ela.
Saudade é uma experiência que não termina de terminar.
Com a saudade, não sinto falta dela, mas do que sou com ela.
Saudade é vaidade. Lamento a própria ausência, apesar de parecer preocupado com a ausência dela.
Saudade é o luto do meu pensamento, a morte do meu pensamento. É nunca mais pensar como solteiro; é pensar como casado daqui por diante. Jurarei que minha risada é mais extravagante em sua companhia, de que sou mais elegante em seus ombros, de que o mundo gosta de nos ver abraçados.
Saudade é não se bastar mais, é depender de alguém para continuar sendo. Depender de alguém até para deixar de ser.
Com a saudade, finjo que me preocupo com minha amada, mas é apenas um jeito de me preocupar comigo. Ela não está mais perto para me melhorar, me antecipar.
Não é que posso perdê-la, eu é que posso me perder longe do que já fui com ela.
Saudade é uma soma daquilo que não somos quando o outro se afasta e daquilo que somos quando o outro está junto. É a certeza de nossa insuficiência. Representa um desfalque da personalidade. Passo a me dar conta de que somente existo para me exibir à ela. Isolado, tenho a sensação de engano, de boicote, de que não nasci inteiro, de que não morrerei inteiro. Minhas palavras ficam tímidas; meu rosto, desafinado.
Saudade é imaginar por dois não sendo mais nenhum. É agir solitário no plural.
Não é uma generosidade, mas seu contrário: um profundo egoísmo; não queremos que amada se distancie para que ela não descubra nossa desimportância. No fundo, é o medo de que a nossa companhia não sinta saudade. O receio do fim. A primeira histeria. A primeira crise de nervosismo.
Saudade é uma covardia corajosa, uma ansiedade cheia de paciência, uma preocupação despreocupada. É se ofender elogiando outro, é se elogiar ofendendo o outro.
Saudade é uma antecipação do abandono. Uma despedida provisória que dói igual a um desenlace definitivo. É um aceno que não entrega a mão ao ar, um cumprimento que não fecha os dedos.
A saudade é acordar na sexta como se fosse sábado. É vestir nossa roupa predileta para permanecer em casa. É arrumar a cama para dormir no sofá.
A saudade surge antes da saudade. Definimos dentro do fato qual será a lembrança de que sentiremos saudade. Sentimos saudade no meio da experiência.
Saudade é uma alegria entristecendo.
Porque toda alegria só será definitiva depois da saudade. Depois da tristeza.
Disponível aqui ó.
...eu devia me expor a você, sem reticências, sem jogos... mas ao mesmo tempo eu tinha medo de me dissolver, de me perder, de não ser mais eu, mas apenas um ser apaixonado... e tinha principalmente vergonha da minha ansiedade, da minha carência... se eu as exibisse a você, talvez você se assustasse e fugisse... e então eu ocultava os meus excessos, me mostrava distante, forte, blasée... e o que acabava mostrando era um arremedo de envolvimento, mesmo sabendo que isso nos fazia mal... eu odiava a dependência, a sujeição, a espera contínua por uma palavra, um gesto... era como se você fosse Deus e estivesse em suas mãos decidir a minha felicidade ou a minha desgraça... como suportar o fato de estar inteiramente subjugada a você? Como suportar teus atrasos, tua ausência... como ficar à espera e olhar para o relógio e sentir o tempo passar e construir mil histórias sobre o atraso... primeiro te desculpando, depois te acusando e prometendo a mim mesma fazer um escândalo quando você chegasse... e quando você chegava, eu ficava tão perturbada, tão feliz, tão grata, que esquecia completamente a raiva e a humilhação da espera... fico pensando no tempo em que desperdicei tentando dissimular. mascarar minha incontrolável dependência de você... durante meses ocultei minha loucura, me contive, sufoquei, fui civilizada... civilizada na minha fúria, civilizada na minha dor, civilizada em momentos que não devia ser...
Carta a D - História de um amor
Você acabou de fazer oitenta e dois anos. Continua bela, graciosa e desejável. Faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. Recentemente, eu me apaixonei por você mais uma vez, e sinto em mim, de novo, um vazio devorador, que só o seu corpo estreitado contra o meu pode preencher. À noite eu vejo, às vezes, a silhueta de um homem que, numa estrada vazia e numa paisagem deserta, anda atrás de um carro fúnebre. Eu sou esse homem.
O Velho e o Mar
'Imagina o que seria se um homem tivesse de tentar matar a Lua todos os dias', pensou o velho. 'A Lua corre depressa. Mas imagine só se um homem tivesse de matar o Sol. Nascemos com sorte.'
Semântica
Não se enganem comigo:
se digo sul pode ser norte,
chego mais fico ausente,
o triste é também o belo,
procuro o que não se perde
nem se pode encontrar.
Buscar respostas nos livros
é esconder-se entre linhas.
Não creio no que se enxerga,
mas nisso que se disfarça
por mais que se tente olhar:
assim me tem seduzida.
Eis o jogo que eu persigo,
meu jeito de ser feliz,
o desafio que me embala:
sempre que escrevo "morte"
estou falando de vida.
quarta-feira, 6 de abril de 2011
A gente descobre que está ficando “velha” quando...
· Calça 38 só com “reza braba”;
· Na verdade a 38 virou 42, mas a gente fala que veste 40;
· Emendar balada com trabalho já não é tão simples assim;
· A gente finalmente entende que não adianta espernear que ele não volta;
· Conselho de mãe finalmente começa a fazer sentido;
· A gente percebe que homem misterioso/confuso na verdade é um porre;
· A companhia é mais importante que o lugar;
· A baladinha da moda que TODO MUNDO vai é o último lugar que você quer ir;
· A gente se da conta que é mortal e as pessoas que amamos também (portanto, reclame menos e aproveite mais);
· O que as pessoas falam sobre você realmente não interessa (a não ser que seja um amigo ou parente muito querido);
· Você pode não ter ficado mais confiante, mas você disfarça bem que é uma beleza;
· Ser feliz fica mais simples e você começa a dar valor ao que realmente tem.
Disponível aqui ó.
Não era simplesmente por amar lê-los.
Sim, amava.
Amava, todavia, mais forte e irresistivelmente as páginas, as letras enfileiradas, o cheiro do papel impresso. Amava-os por possuir, a posse que a encantava.
Era preciso que ela os possuísse.
Preciso e necessário.
Tê-los ao redor, encarando-a, empilhados como que aguardando paciente pela escolha.
Feitos um para o outro
Adoro que você sinta frio quando faz 22 graus lá fora.
Adoro que leve uma hora e meia para escolher um sanduíche.
Adoro aquele franzido acima do nariz quando você me olha como se eu fosse um bobo.
Adoro que depois de um dia inteiro com você eu ainda sinta seu perfume em minhas roupas.
E adoro que você seja a última pessoa com quem quero falar de noite, antes de dormir.
E não é porque eu esteja sozinho e não é por ser Ano Novo.
Vim aqui esta noite porque, quando a gente percebe que quer passar o resto da vida com alguém, quer que o resto da vida comece o mais depressa possível.
Medo de Voar
- Sabe de uma coisa? Para uma mulher inteligente, você é idiota.
- Aí está uma das coisas mais lindas que alguém já disse.
- Aí está uma das coisas mais lindas que alguém já disse.
Pecado Original
Mas Londres lançou sobre ele seu feitiço, que nenhuma experiência adulta, nenhuma investigação de outras grandes cidades foram capazes de quebrar.
Pecado Original
Mais tarde, compreenderia que todos os horrores que se seguiram tiveram origem naquele almoço absolutamente corriqueiro; e pensaria: se isto fosse um romance policial, e eu o autor, aquele momento seria o início de tudo.
Pecado Original
Ele se demorou alguns momentos, saboreando essa centelha insana, que para ele, nada tinha a ver com sexo, mas com a necessidade de manter destilada uma lembrança de juventude, de amores antigos, de riso, da liberdade de qualquer responsabilidade, de puro e animal deleite dos sentidos.
Pecado Original
Sendo assim, mesmo gostando um do outro e apreciando a mútua companhia, viam-se com menos frequência que se vivessem a quilômetro de distância. Quando estavam juntos, falavam, principalmente, de livros, poesia, peças que haviam visto, programas de televisão, raramente sobre pessoas.
Ontem à noite
Ontem à noite, depois da sua partida definitiva, fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque, fui para ali onde fico sempre no mês de junho, esse mês que inaugura o Inverno.
Tinha varrido a casa, tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral.
Estava tudo depurado de vida, isento, vazio de sinais, e depois disse para comigo: vou começar a escrever para me curar da mentira de um amor que acaba.
Tinha lavado as minhas coisas, quatro coisas, estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa, e também aquilo que encerrava o todo, o corpo e a roupa, estes quartos, esta casa, este parque.
E depois comecei a escrever...
segunda-feira, 4 de abril de 2011
Canção Amarga
Que importa o gesto não ser bem o gesto grácil que terias?
— Importa amar, sem ver a quem...
Ser mau ou bom, conforme os dias.
Agora, tu, só entrevista,
quantas imagens me trouxeste!
Mas é preciso que eu resista
e não acorde um sonho agreste.
Que passes tu! Por mim, bem sei
que hei-de aceitar o que vier,
pois tarde ou cedo deverei
de sonho e pasmo apodrecer.
Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
— Importa amar, sem ver a quem...
Ser infeliz, todos os dias!
— Importa amar, sem ver a quem...
Ser mau ou bom, conforme os dias.
Agora, tu, só entrevista,
quantas imagens me trouxeste!
Mas é preciso que eu resista
e não acorde um sonho agreste.
Que passes tu! Por mim, bem sei
que hei-de aceitar o que vier,
pois tarde ou cedo deverei
de sonho e pasmo apodrecer.
Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
— Importa amar, sem ver a quem...
Ser infeliz, todos os dias!
[in "A Secreta Viagem"]
Soneto do Cativo
Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;
o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;
se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;
não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;
o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;
se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;
não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!
[in “Obra Poética”]
Penélope
Mais do que um sonho: comoção!
sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.
E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.
Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.
sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.
E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.
Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.
Crespúsculo
É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos
E por vezes encontramos
de nós em poucos meses
o que a noite nos fez
em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes
ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
Assinar:
Postagens (Atom)
A tristeza é feia e quer casar [Silmara Franco]
Está no dicionário: Tristeza: [Do lat. tristitia.] S.f. 1. Qualidade ou estado de triste. 2. Falta de alegria. 3. Pena, desalento, consterna...
-
Acordei tão inquieta, parecia até uma tristeza. E ainda agora estou revirando coisas aqui por dentro tentando reconhecer que rosto é este qu...
-
Está no dicionário: Tristeza: [Do lat. tristitia.] S.f. 1. Qualidade ou estado de triste. 2. Falta de alegria. 3. Pena, desalento, consterna...
-
Tenho razão de sentir saudade, tenho razão de te acusar. Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires foste embora. Detonaste o...