domingo, 6 de fevereiro de 2011

O papel é curto.
Viver é comprido.
Oculto ou ambíguo,
Tudo o que digo tem ultrasentido.

Se rio de mim,
me levem a sério.
Ironia estéril?
Vai nesse ínterim,
meu intramistério.

Melhor teatro

SÉRGIO
-Como será que deve ser estar casado com você, Luísa? Uma mulher com quem se pode trepar e conversar... Por que é que a gente não se conheceu dez anos atrás?
LUÍSA
-Talvez não tivesse feito a menor diferença.
Chegue bem perto de mim. Me olhe, me toque, me diga qualquer coisa. Ou não diga nada, mas chegue mais perto. Não seja idiota, não deixe isso se perder, virar poeira, virar nada. Daqui há pouco você vai crescer e achar tudo isso ridículo. Antes que tudo se perca, enquanto ainda posso dizer sim, por favor, chegue mais perto.
Entre letras e sapos engole-se muita coisa vida adentro e mundo afora...
É preciso não subestimar as pessoas; as aparências enganam tanto e tão frequentemente...

24 de novembro de 2010

Quero mesmo rever você. Ver, tocar, sentir...
Tenho saudade. Saudade do que você faz comigo: vida, riso, prazer, satisfação...saudade dos momentos bons que dividimos; toda essa coisa de cada um levando um pouquinho do outro, essa troca que não tira, e sim...completa. Sinto falta.
Que estranho estar do outro lado da mesa quando já estivemos lado a lado na mesma cama; quando você já esteve, não só ao lado...e sim, dentro. Você está. Sempre.
Preciso vê-lo...preciso tê-lo...
Saudade. Com todas as definições aurelianas cabíveis.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

-Fazer o quê, se essa peste é o meu "tipo certo de garoto errado"? .
-aihaihiha:p
Mulher gosta de bandido, mesmo... bom que me acabo...:p***
...Para que eu me despeça da maldade
Do querer entardecido de ausências
Deita tua fome em nossas pendências...

-o que a peste andou aprontando?:p .
-O de sempre...uma pitada de gentileza, duas de ironia, bem refogadinha em boas lembranças e um cadinho de vontade-que-não-quer-passar...

Para Lua Leça, minha Lua Particular...

Acordei tão inquieta, parecia até uma tristeza. E ainda agora estou revirando coisas aqui por dentro tentando reconhecer que rosto é este que me angustia. Daí lembrei da data, faltam dois dias prum avião te levar pruma paisagem tão distante. E você é tão menina, tão minha menina e a gente se viu tão pouco ultimamente. Eu sem saber conciliar meu exílio voluntário com a nossa intensidade juntas. E naquele domingo em que bebemos sua despedida, tanta alegria, os assuntos todos sendo colocados em dia, nossos abraços cada vez mais apertados...como nosso amor é fotogênico! E você sempre me traz essa reflexão sobre a amizade. Porque eu fico tranqüila quando você me diz que tem um medo igual ao meu. Porque eu fico mais bonita quando você reconhece que estou mais feliz. E eu gosto de você ter me conhecido antes da minha fase de equilíbrio e poder comparar e ter me amado antes tanto quanto agora, quando é bem mais fácil. Quando tanta gente não deu conta. E a gente nunca precisou jurar eternidade, ela nasceu inerente a nossa amizade. E hoje faltam dois dias, daqui a pouco faltarão 45 minutos e eu sei que já deu certo e que vai ser tudo tão maravilhoso. E a saudade não assusta mais, mas ela aperta um pouco a garganta porque eu sei como você é perita em saber fazer falta. Porque qualquer minutinho com você é tão repleto de entrega e paz e alegria. E aquela sensação de que os horizontes são tão mais amplos e que pode caber tanto entusiasmo em tudo. E eu lembro de todo o tempo que você cuidou de mim, de nós. Do meu primeiro livro que sempre foi um tanto seu. De quão essencial você é na feitura dos meus textos. E lembrei também de que você me pediu pra escrever sempre, e te mandar notícias, paisagens. E eu queria começar agora...

Para uma menina com uma flor

Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, o que, aliás, você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.

E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras.

E porque você sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano, e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre um nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, parecendo uma santa moderna, e anda lento, e fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der uma paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.

E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta e não concorda porque ele é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara-na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.

E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você, se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse cantando sem voz aquele pedaço que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.

E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora - tão purinha entre as marias-sem-vergonha - a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nessas montanhas recortadas pela mão de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa.

E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos - eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfrentando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações - porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.

SAUDADE [com Caps Lock, porque a saudade era grande...]

"Sentimento mais ou menos melancólico de ausência, ligado pela memória à situações de privação da presença de alguém ou de algo, de afastamento de um lugar ou de uma coisa, ou à ausência de certas experiências e determinados prazeres já vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejável";
Ou
"Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoa ou coisa distante ou extinta. Pesar pela ausência de alguém que nos é querido".

Na gramática Saudade é substantivo abstrato, tão abstrato que só existe na língua portuguesa.


*Mas a SAUDADE que eu sinto de você é CONCRETA. (Poxa, isso ficou tão bonitinho, e parecendo aqueles rabiscos em caderno de adolescente apaixonada.)
Ter você nu na cama

Que deleite

E como a gente brinca

E rola e ri

Para depois sentar nos lençóis descompostos

O corpo ainda suado

E continuando sempre o mesmo jogo

Falar a sério de literatura.

Te beijo no cangote

E quieta penso:

Um outro amante assim Senhor

Que trabalho terias pra me arrumar

Se me tomasses este.
Estar entre teus pelos e dedos, entre tua densidade, neste transpirar sob medida aos teus gemidos. Estar entre teus trópicos, entre o teu desejo e o meu prazer, beber parte de teus líquens e teus rios percorrendo-te da foz até a origem, e pura a cada amor partir mais virgem.
Chegue bem perto de mim. Me olhe, me toque, me diga qualquer coisa. Ou não diga nada, mas chegue mais perto. Não seja idiota, não deixe isso se perder, virar poeira, virar nada. Daqui há pouco você vai crescer e achar tudo isso ridículo. Antes que tudo se perca, enquanto ainda posso dizer sim, por favor, chegue mais perto.
Que coisas são essas que me dizes sem dizer, escondidas atrás do que realmente quer dizer? Tenho me confundido na tentativa de te decifrar, todos os dias. Mas confuso, perdido, sozinho, minha única certeza é que de cada vez aumenta ainda mais minha necessidade de ti. Torna-se desesperada, urgente. Eu já não sei o que faço. Não sinto nenhuma alegria além de ti. Como pude cair assim nesse fundo poço? Quando foi que me desequilibrei? Não quero me afogar: Quero beber tua água. Não te negues, minha sede é clara.
...E de novo então me vens e me chegas e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque é assim que és e unicamente assim é que me queres e me utilizas todos os dias, e nos usamos honestamente assim...
Você me provoca, você me perturba. Joga água e sai correndo. Atira a pedra e me acerta de raspão. Me espia no escuro e mostra a língua. Me xinga. Me atiça. Invade o meu sossego. Meu refúgio. Pisa no meu ninho com os sapatos sujos. Na minha toca. Sem saber o meu tamanho, até onde vai meu bote, você me provoca achando que não há perigo. Sem conhecer a força da minha mordida, o tamanho dos caninos. Você me provoca sem esperar a picada. Sem saber que ainda não inventaram antídoto pro meu tipo de veneno.
Quando você diz o que ninguém diz
Quando você quer o que ninguém quis
Quando você usa a lousa pra que eu possa ser giz
Quando você arde ao arder a sua teia cheia de ardis
Quando você faz da minha carne triste quase feliz

Você me faz parecer menos só, menos sozinho
Você me faz parecer menos pó, menos pozinho...


Sim, deve ter havido uma primeira vez, embora eu não lembre dela, assim como não lembro das outras vezes, também primeiras, logo depois dessa em que nos encontramos completamente despreparados para esse encontro. E digo despreparados porque sei que você não me esperava, da mesma forma como eu não esperava você. Certamente houve, porque tenho a vaga lembrança - e todas as lembranças são vagas, agora -, houve um tempo em que não nos conhecíamos, e esse tempo em que passávamos desconhecidos e insuspeitados um pelo outro, esse tempo sem você eu lembro. Depois, aquela primeira vez e logo após outras e mais outras, tudo nos conduzindo apenas para aquele momento. Às vezes me espanto e me pergunto como pudemos a tal ponto mergulhar naquilo que estava acontecendo, sem a menor tentativa de resistência. Não porque aquilo fosse terrível, ou porque nos marcasse profundamente ou nos dilacerasse - e talvez tenha sido terrível, sim, é possível, talvez tenha nos marcado profundamente ou nos dilacerado - a verdade é que ainda hesito em dar um nome àquilo que ficou, depois de tudo. Porque alguma coisa ficou. E foi essa coisa que me levou há pouco até a janela...
...Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos.
Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria...
No fundo sou sozinha.
Há verdades que nem a Deus eu contei.
E nem a mim mesma.
Sou um segredo fechado a sete chaves.
Por favor me poupe.
Estou tão só.
Eu e meus rituais.
O telefone não toca.
Dói.
Mas é Deus que me poupa.

Sobre a solidão

Para F. S.

Entender é trancar-se dentro da palavra.

Quem não sabe, quem não sabe, quem não quer saber de nada gruda a língua no céu da boca, não escuta e finge que não vê.

Entender é um outro nível da ignorância. Bastaria um toque se fôssemos livres.

Não é preciso nenhum livro para quem pode não ler.

Se quisermos, amiga, não entendemos nada...

Tem quem prefira os beijos às palavras.

Tem quem não viva sem um off dizendo não, o tempo todo.

Tem gente de tudo o que é tipo.

Só não devemos viver sem o sentido, sem a realidade, o objeto, o eu e o você.

Somos infelizes. Jamais sobreviveríamos à liberdade de leves e inconseqüentes ações.

-Vamos, vamos logo subir essa escada que leva o amor ao último andar.

Estamos descalços e o mármore gela os nossos pés. Sobe pelo corpo o tremor do castelo que desmorona.

Então vamos, segura firme no corrimão. Respire fundo. Subir tão alto dá vertigem e olhar para trás deixaria-nos cegos.

Os erros são medusas intransigentes, arrancam as nossas lembranças boas e tatuam os desaforos e mágoas.

Por isso, Marche! Ainda estou contigo. Para ir até o fim da paixão deve-se estar acompanhado. Sinta o meu perfume enquanto o vento do tempo sopra esse bafo de mudança. Se quiser, dou-lhe o braço. Entraremos no salão da grande dança. A quadrilha dos desafortunados só começa quando o poeta recita a dor de um adeus. Pronto. Mais alguns passos e poderemos nos soltar no espaço. Livres. Serenos. E tristes. Vamos logo. Não há mesmo como evitar a covardia. Não há coragem para se ir até o fundo.

É isso, meu amor, agora só mais um degrau e você estará – de novo – em paz com o seu coração vazio. Por isso, vamos!

O nada não inspira, não treme os sexos, não dá calafrios, nem ciúmes; Não cria o ódio, nem teme o abandono. Ali você poderá descansar sem culpa, remorsos, sonhos estúpidos.

Amar proibido é muito. Causa tanto estrago...

E por isso, por tudo isso, vamos!

No final devo pedir perdão por tê-lo tocado.

Agora pode largar a minha mão. Pode partir.

Lembre-se ou esqueça-se de mim.

Coração quebrado tem cura: a paz de não precisar mais aguardar a perfeição que não existe.

-Não estou mais agüentando.

A ansiedade –não mais aquela por bombons – poderá me estourar a veias. É o pior momento, esse, meio excitado, meio cansado, quando eu espero que campainhas toquem. Anunciando mudanças... e elas tocam, mas é somente um rapaz que me diz sobre uma encomenda ou um engano ou uma ligação familiar. Nada de mudanças. As mudanças, minha cara, só nas cores do cabelo, nas roupas e nos dias da regra mensal.

Não! Não queiram que eu acredite que tudo o que vivo será eterno, igualmente bom, para o resto dos meus dias. Não posso viver com o igual, não posso sobreviver ao certo, não quero morrer com certezas.

- Então vá se foder! E estrague logo esse lindo!

Receio da confusão o estresse, do medo à apatia das impulsivas atitudes, mágoas. Escuto música as alturas, quero somente amortecer os erros. E mudar de idéia. Quem sabe o porque do quê?

- O que você está falando, mulher? – Nada, nada... é só a vida enchendo o saco com surpresas. Queria ser do século XVII, arfar o peito e ajoelhar num confessionário de madeira de lei... e eu não entendo porra nenhuma de madeira, entendo de culpas. Mas é negra a solidão de quem escreve...

Na casa dos meus avós tinha móveis negros, não tenho mais ninguém para mexer gavetas e tomar coca cola pequena no gargalo.
...Coveiros gemem tristes ais
E realejos ancestrais juram que
Eu não devia mais querer você
Os sinos e os clarins rachados
Zombando tão desafinados
Querem, eu sei, mas é pecado
Eu te perder
É tanto, é tanto
Se ao menos você soubesse
Te quero tanto...

Votos de Submissão

Caso você queira posso passar seu terno,
aquele que você não usa por estar amarrotado
Costuro as suas meias para o longo inverno...
Use capa de chuva, não quero ter você molhado
Se de noite fizer aquele tão esperado frio
poderei cobrir-lhe com o meu corpo inteiro
E verás como a minha pele de algodão macio,
agora quente, será fresca quando for janeiro

Nos meses de outono eu varro sua varanda,
para deitarmos debaixo de todos os planetas
O meu cheiro te acolherá com toques de lavanda
- Em mim há outras mulheres e algumas ninfetas
-Depois plantarei para ti margaridas da primavera
e aí no meu corpo somente você e leves vestidos,
para serem tirados pelo seu total desejo de quimera
- Os meus desejos, irei ver nos seus olhos refletidos

- Mas quando for a hora de me calar e ir embora
sei que, sofrendo, deixarei você longe de mim
Não me envergonharia de pedir ao seu amor esmola,
mas não quero que o meu verão resseque o seu jardim

Nem vou deixar – mesmo querendo – nenhuma fotografia
Só o frio, os planetas, as ninfetas e toda minha poesia.

Você tem culpa de quê?

Parece que toda escolha vem com um bônus: a culpa.

A culpa é filha do bem e do mal. Criada, desde pequena, pela moral. Mimada, ela se instala na nossa casa e lá fica, dando pitaco em tudo. A gente não percebe, mas presta uma atenção danada ao que ela diz. Porém, a culpa, tirando crime e acidente de trânsito, não está a serviço de ninguém. Ela é um desserviço contra todos nós.

A culpa por trabalhar muito. Por trabalhar pouco. Por não trabalhar. Por ter casado cedo, por ter casado tarde. Por amar demais. De menos. Por ter ido. Por ter ficado.

Culpa pela traição imaginada, pela efetiva e pela que sequer se deixou virar ideia. Culpa por acordar tarde. Por ter dito não. Por ter dito sim. Por não ter dito nada e ficado na mesma. Por ter dito muito e estragado tudo.

Culpa por ter cuidado da carreira em vez dos filhos. Culpa pelo vice-versa. Ou por não ter escolhido nem uma coisa nem outra, já que as duas pareceram desinteressantes. Culpa pelo cansaço do corpo, que não encara mais nenhuma vontade da cabeça. E pela fadiga da cabeça, que não acompanha o resto do corpo.

Culpa por não rezar. Por não fazer ginástica. Por ler menos do que gostaria. Por não gostar de ler. Pelo trigésimo par de sapatos no armário em vez da consulta no dentista. Pela indisciplina, pela bagunça. Pelo prazer de um vinho fora de hora. E por não saber que horas são.

Tem mais. Culpa por não telefonar para os amigos. Por esquecer o aniversário do pai. Culpa pelo ócio fundamental. Por topar um trabalho pelo dinheiro, sem prazer. Ou por aceitá-lo por prazer, sem pensar na grana. Culpa por tolerar a insatisfação, por denunciá-la ou até por senti-la. Culpa pela sobremesa, pela mesa inteira. Pelo sono diurno e pela insônia noturna. A culpa, simplesmente por se sentir culpada.

Desculpas à parte, o negócio é o seguinte: hora de parar com a síndrome da crucificação. Já basta aquele moço. Que, aliás, não tinha culpa no cartório.


Disponível aqui ó.

O café do próximo

Foi em Praga, na República Tcheca, que surgiu o hábito do "café pendente".
Tudo começou com o personagem de um livro.
Ele entra num bar, toma um café e, quando vem a conta, paga dois, explicando pra garçonete: "Pago o meu e deixo um pendente".
Inaugurou-se assim o costume de se deixar pagos dois, para o caso de surgir alguém sem trocado para um cafezinho.

A Livraria Argumento, do Rio, que tem em suas dependências o charmoso Café Severino, adotou esse esquema, rebatizando-o de "café do próximo".
Colocou um quadro-negro na entrada e ali vai anotando todos os cafés pendentes do dia, aqueles que já foram pagos.
Às vezes tem dois, às vezes três, às vezes nenhum.
Quem chega sem grana e vê ali no quadro que há um café pendente, pode pedi-lo sem constrangimento.
Quando voltar outro dia, com dinheiro, poderá, se quiser, pagar dois e retribuir a gentileza para o próximo desprevenido.
E assim mantém-se a corrente e ninguém fica sem café.


Num país como o nosso, com tanta gente passando dificuldades e com governantes tão desinteressados no bem-estar social, esta história me pareceu quase uma parábola.
Num cantinho do Rio de Janeiro, uns pagam os cafés dos outros, colocando em prática o tal "fazer o bem sem olhar a quem".
Claro que é apenas um charme que a livraria oferece, sem pretensões de mudar o mundo, mas eu fico pensando que este tipo de mentalidade poderia ser mais propagada entre nós.
Imagine se a moda pega em açougues, mercados, cinemas.
Você compra seis salsichões e paga sete, deixando um pendente.
Você faz as compras no mercado e deixa dois quilos de arroz pendentes.
Vai ao cinema e, em vez de comprar uma entrada, compra duas. Em todos os estabelecimentos comerciais do país, haveria um quadro-negro avisando as pendências destinadas ao próximo.
Não soluciona nada, mas é simpático.
Tá bom, eu sei, posso até ver a confusão.
Uns não iriam topar deixar pago nem um copo d'água para estes "vagabundos que não trabalham".
Alguns comerciantes rejeitariam a proposta sob o argumento de que "meu estabelecimento vai ficar cheio de mendigos".

Realmente, talvez não seja uma boa idéia para ganhar as ruas, ao menos não num país onde a carência é tanta, a falta de segurança é tanta, a desordem é tanta, e a malandragem nem se fala.
Melhor deixar o "café do próximo" como um charme a mais dentro de uma livraria carioca.
Mas de uma coisa não tenho dúvida: este exemplo pequeníssimo de boa vontade terá que um dia ser ampliado por todos nós.
Vai ter uma hora em que a gente vai ter que parar de blablablá e fazer alguma coisa de fato.
Ou a gente estende a mão pro tal do próximo, ou o próximo vai continuar exigindo o dele com uma faca apontada pra nossa garganta.
Esperar alguma atitude vinda de Brasília? Aqueles não são os próximos, aqueles são os cada vez mais distantes.
Deles não esperemos nada.
Ou a sociedade se mexe e estabelece novas formas de convívio social, com idéias simples, mas operacionais, ou o café do próximo vai nos custar cada vez mais caro.

Baile [Djavan]

Ginseng, ópio, coisa de acender
Não tem poder de me ligar
Um beijo seu pode muito mais...

Beijo a lápis

Entrou na loja com perfume de erva-doce (a loja, não ele), foi atendido pela moça de cabelos verdes e anel no dedo do pé. Achou esquisito (o anel, não o cabelo) e, mesmo assim, pediu:
– Quero um beijo.
A moça abriu um sorriso e explicou:
– Aqui é uma papelaria.
– Eu sei. Quero um beijo.
A moça fechou o sorriso. Não tinham beijos ali. Só papéis e canetas.
Ele caminhou mais alguns metros e, diante da vitrine com um gato de verdade, dormindo aos pés de um anjo de mentira e outros badulaques, sorriu para o vendedor, que já o aguardava na entrada:
– Quero um beijo.
– É para o senhor mesmo?
– Sim.
– Só um minuto, por favor.
Dali a pouco, o vendedor voltou. Desculpou-se:
– Não temos mais nenhum.
– Ah, pena.
– Quer deixar seu telefone? Quando chegar, eu aviso.
– Não… Era para hoje.
– Fico lhe devendo, então.
Ao sair, não viu mais o gato. Pensou, como é que alguém fica devendo um beijo? Pode-se dever muita coisa: favor, explicação, visita. Beijo, não. Loja mais esquisita. Parou para tomar um café na livraria. Enquanto namorava os doces, tão arrumados na cestinha de vime, perguntou para a garçonete que roía as unhas:
– Tem beijo?
– Só beijinho.
Beijinho ele não queria. Aliás, nada terminado em inho, como em ‘sozinho’. Pagou seu café, folheou um livro e saiu. Viu o gato, passeando do outro lado da rua. Morava a duas quadras dali (ele, não o gato), no décimo segundo andar do edifício mais antigo da cidade. Entrou no elevador, dobrou o casaco no braço. A porta se fechou mais devagar que de costume. No último instante, uma mão a alcançou. Era a vizinha do décimo primeiro, de blusa com passarinhos e saia-lápis. Ele se fingiu entretido com os botões (do casaco, não do elevador), ela puxou assunto. Riram, a moça era meio doidinha. Foi quando ela lhe disse ao pé do ouvido:
– Sabe duma coisa?
Com o lápis da saia, buscou-lhe a boca. E desenhou nela um beijo.


Disponível aqui ó.

Os Catadores de Conchas

Importa apenas que fiquemos juntos e que eventualmente nos casemos – segundo espero, o mais cedo possível. Um dia, a guerra terminará. Serei desmobilizado e retornarei a vida civil, com agradecimentos e uma pequena indenização. Você pode encarar a perspectiva de ser esposa de um professor? Porque isto é tudo quanto quero ser. Não sei dizer para onde iremos, onde viveremos e como será, mas se me couber alguma escolha, eu gostaria de voltar para o Norte, a fim de ficar perto dos Lagos e das montanhas do distrito de Peak.
Sei que isso parece muito distante. Há uma difícil estrada à frente, pontilhada de obstáculos que deverão ser transpostos, um por um. Entretanto, viagens de mil quilômetros começam com o primeiro passo e, quanto pensamos um pouco, nenhuma expedição é a pior.
Ao reler o que escrevi, esta me parece a carta de um homem feliz, que espera viver para sempre. Por algum motivo, tenho esperanças de sobreviver à guerra. A morte, o último inimigo, ainda me parece muito longe, além da velhice e da enfermidade. Por outro lado, não é possível acreditar que o destino, após ter-nos reunido, não queira que continuemos assim.

[Carta de Richard à Penelope]
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar.
"...Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados.
A carência.
A saudade.
A mágoa.
Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo.
Eu bati a 200 km por hora e estou voltando á pé pra casa, avariada.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez.
Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos.
Talvez este seja o ponto. Talvez eu não seja adulta o suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas.
Onde é que eu estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência?
Eu não amei aquele cara.
Eu tenho certeza que não.
Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Não era amor,era uma sorte.
Não era amor, era uma travessura.
Não era amor, eram dois travesseiros.
Não era amor, eram dois celulares desligados.
Não era amor, era de tarde.
Não era amor, era inverno.
Não era amor, era sem medo.
Não era amor, era melhor..."

Publicado no livro Divã.
É difícil acreditar em Deus quando você se sente tão sozinho, desprotegido, desassistido, desvalido, desamparado e tantas outras coisas com des e com in que você pensou, mas nem teve ânimo de relacionar...
Não sei se foi o certo...mas foi o que meu coração mandou.

A tristeza é feia e quer casar [Silmara Franco]

Está no dicionário: Tristeza: [Do lat. tristitia.] S.f. 1. Qualidade ou estado de triste. 2. Falta de alegria. 3. Pena, desalento, consterna...