quarta-feira, 7 de março de 2012

Instantes

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.

Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico.

Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida, claro que tive momentos de alegria.

Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.

Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.

Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas. 

Se voltasse a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.

Mas já viram, tenho oitenta e cinco anos e sei que estou morrendo.

Celebração da amizade

Juan Gelman me contou que uma senhora brigou a guarda-chuvadas, numa avenida de Paris, contra uma brigada inteira de funcionários municipais. Os funcionários estavam caçando pombos quando ela emergiu de um incrível Ford bigode, um carro de museu, daqueles que funcionavam à manivela; e brandindo seu guarda-chuva, lançou-se ao ataque. Agitando os braços abriu caminho, e seu guarda-chuva justiceiro arrebentou as redes onde os pombos tinham sido aprisionados. Então, enquanto os pombos fugiam em alvoroço branco, a senhora avançou a guarda-chuvadas contra os funcionários.

Os funcionários só atinaram em se proteger, como puderam, com os braços, e balbuciavam protestos que ela não ouvia: mais respeito, minha senhora, faça-me o favor, estamos trabalhando, são ordens superiores, senhora, por que não vai bater no prefeito?, Senhora, que bicho picou a senhora?, esta mulher endoidou…

Quando a indignada senhora cansou o braço, e apoiou-se numa parede para tomar fôlego, os funcionários exigiram uma explicação. Depois de um longo silêncio, ela disse:

— Meu filho morreu.

Os funcionários disseram que lamentavam muito, mas que eles não tinham culpa. Também disseram que naquela manhã tinham muito o que fazer, a senhora compreende…

— Meu filho morreu — repetiu ela.

E os funcionários: sim, claro, mas que eles estavam ganhando a vida, que existem milhões de pombos soltos por Paris, que os pombos são a ruína desta cidade…

— Cretinos — fulminou a senhora.

E longe dos funcionários, longe de tudo, disse:

— Meu filho morreu e se transformou em pombo.

Os funcionários calaram e ficaram pensando um tempão. Finalmente, apontando os pombos que andavam pelos céus e telhados e calçadas, propuseram:

— Senhora: por que não leva seu filho embora e deixa a gente trabalhar?

Ela ajeitou o chapéu preto:

— Ah!, não! De jeito nenhum!

Olhou através dos funcionários, como se fossem de vidro, e disse muito serena:

— Eu não sei qual dos pombos é meu filho. E se soubesse, também não ia levá-lo embora. Que direito tenho eu de separá-lo de seus amigos?

O homem que se endereçou

Apanhou o envelope e na sua letra cuidadosa subscritou a si mesmo:
Narciso, rua Treze, nº 21.
Passou cola nas bordas do papel, mergulhou no envelope e fechou-se. Horas mais tarde a empregada colocou-o no correio. Um dia depois sentiu-se na mala do carteiro. Diante de uma casa, percebeu que o funcionário tinha parado indeciso, consultara o envelope e prosseguira. Voltou ao DCT, foi colocado numa prateleira. Dias depois, um novo carteiro procurou seu endereço. Não achou, devia ter saído algo errado. A carta voltou à prateleira, no meio de muitas outras, amareladas, empoeiradas. Sentiu, então, com terror, que a carta se extraviara. E Narciso nunca mais encontrou a si mesmo.

O que me importa

O que me interessa nem sempre é o que me importa.

A outra vida de Catherine M.

Uma das vantagens do sonho é a perfeita impunidade da qual nos beneficiamos, quaisquer que sejam as atrocidades que cometamos ou a indecência que demonstremos. Eu estava tão mergulhada na atmosfera da minha obsessão que não vi, imediatamente, a que ponto Jacques estava magoado com a minha intromissão nos seus papéis mais íntimos e com a minha hermenêutica aleatória sobre seus livros. Era como se eu estivesse vasculhando o seu inconsciente.

Lavoura Arcaica

Se acaso distraído eu perguntasse: para onde estamos indo? Estamos indo sempre para casa.

Fracos

- Não há para onde ir, não há. Somos fracos, querido amigo... Eu era um indiferente, raciocinava com vivacidade e sensatez, mas bastou a vida tocar-me com a sua brutalidade para desanimar...para esta prostração...Somos fracos, não prestamos... O senhor também, querido amigo, o senhor também. É inteligente, nobre, bebeu as melhores intenções no leite materno, mas mal entrou na vida cansou-se e adoeceu... Fracos, fracos!
Contos de Tchékhov, volume 2

Ri-te

Ri-te, ri-te, que o mundo não se pode levar de outra maneira.

Amar é crime

[Um poeminha de amor concreto]
Da mesma forma que você dá o pão à mesa, dá a mão, um abraço...da mesma forma que você dá um aviso, um acorde, dá um choque, um chute, um salto...da mesma forma que você dá uma carona, um passo, dá uma força, um recado...da mesma forma que você dá uma bronca, um tapa, dá um duro, uma gravata...da mesma forma que você dá a luz uma ideia, dá um gole, uma festa...da mesma forma que você dá uma rosa, um beijo, dá uma bala, uma moeda...da mesma que você dá boa tarde, boa noite, boas-vindas, dá uma desculpa, um tempo...da mesma forma que você dá de cara, dá de frente, dá de ombros, de bandinha...da mesma forma que você não me dá a mínima, não me dá ouvidos, não me dá bola...da mesma forma que você não dá o melhor de si, eu dou o cu, meu amor, e daí?

Fábula do Vento ou O Sentimento Mágico da Vida

Somei livros aos livros e a soma só deu certa porque os sonhos também sabem matemática. Tornei-me adulto à força de querer continuar menino, nos corredores e pátios de luz e penumbra que se cruzam por dentro do som das palavras. Viajei com elas até ao limite da lembrança da infância e levei comigo, que a solidão poucas vezes é boa conselheira, a lealdade e a sabedoria do vento.

O amante da China do Norte

(...) não responde. Não sorri. Lança para ele um olhar profundo. A palavra certa para descrever aquele olhar seria selvagem. Insolente. Sem constrangimento, como diz a mãe: "não se olha para as pessoas dessa forma".

Sonhos Sonhos São

Conduzo tua lisa mão
Por uma escada espiral
E no alto da torre exibo-te o varal
Onde balança ao léu minh'alma

Fazes-me falta

Claro que há um deserto insaciável de diferenças entre todas as coisas - mas porque insistias tanto em acentuar esse deserto, em vez de procurares a comunhão das obras? A tua erudição enfastiava-me, um museu de contrastes, a isso reduzia a vida para ti.

Eu e você

(...) Só preciso de alguns abraços queridos, a companhia suave, bate-papos que me façam sorrir, algum nível de embriaguez e a sincronicidade: eu e você não acontecemos por uma relação causal, mas por uma relação de significado, que ainda estamos trabalhando.

terça-feira, 6 de março de 2012

Sonhos Sonhos São

Sei que é sonho
Incomodado estou, num corpo estranho
Com governantes da América Latina
Notando meu olhar ardente
Em longínqua direção
Julgam todos que avisto alguma salvação
Mas não, é a ti que vejo na colina

A luz no subsolo

Não sabia o que devia lhe dizer - uma palavra vinha e a recusava, outra nascia à flor dos lábios e desaparecia diante da desesperada fixidez daquelas pupilas.

For you

Eu queria conversar para dizer muitas coisas que eu só diria para alguém como você; coisas que fui reunindo nos tantos dias que conversávamos e que eu não dizia absolutamente nada, só ouvia. Foram dias preciosos esses; aprendi muito de você ouvindo sua história...geralmente sobre trabalho. A tua vida é muito isso: trabalho.

Para quem mais eu poderia dizer que estou cansada disso tudo. Dessa minha vida calma, serena, amistosa, compassiva. Eu quero mais, muito mais. Mas parece que não sei exatamente onde buscar, nem como buscar. Eu não sei viver a vida que quero. Nem mesmo sei como começar, não sei como se vive essa vida nova e por isso vou afundando ainda mais nessa vida que já levo.

Casamento? Vai bem, obrigada. Mas segue sem grandes emoções e eu não posso, não tenho essa compassividade de alma. Preciso de um estremecimento, um frenesi, um arrebatamento qualquer. Talvez eu seja com casamento como sou com a maioria das coisas: eu gosto de começar. Adoro o começo de tudo, tudo mesmo. O que eu não tolero é a continuação.
Acho que nasci pra começar coisas; adoro, mas vou deixando tudo pelo caminho. Foi assim com a faculdade, trabalho, casamento, filhos. Eu durmo com um sonho e acordo com outro; Falo de uma coisa como se aquilo fosse a grande paixão da minha vida e no momento seguinte descubro que não é bem  aquilo  o que eu gostaria de fazer, pelo menos não mais...a vontade passa, sabe?

O Amor é

O Amor é finalmente
Um embaraço de pernas
Uma união de barrigas
Um breve temor de artérias.
Uma confusão de bocas
Uma batalha de veias,
Um rebuliço de ancas
Quem diz outra coisa, é besta.

O amor acaba - crônicas líricas e existenciais

(...) Veio com a beleza e a melancolia. (...) Nunca pude dizer tudo o que quero porque ela não quer. Meu verso se faz trôpego e medido por causa dela. Meu riso se fez tímido. Meus passos foram passos tortos de bêbedo, minha sabedoria foi uma sequência de trevas, minhas afeições não valeram, meus amores ficaram inconclusos, minhas alegrias foram alegrias loucas de louco. (...) Quando olho o mar eu me canso; se leio poesia me aborreço; quando durmo não descanso; se me embriago me entristeço.
Crônica: Tens em mim tua vitória.

Reza

Deus me proteja da sua inveja
Deus me defenda da sua macumba
Deus me salve da sua praga
Deus me ajude da sua raiva
Deus me imunize do seu veneno
Deus me poupe do seu fim

Deus me acompanhe
Deus me ampare
Deus me levante
Deus me dê força

Deus me perdoe por querer
Que deus me livre e guarde de você.

Em busca do tempo perdido vol. 5 - A Prisioneira

O amor não é talvez mais do que a propagação daqueles redemoinhos que, depois de uma emoção, perturbam a alma.
Tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar.

Dois rios

Eu, ao lado dela, esquecia tudo o que havia atrás de mim e cobiçava apenas o que ainda não conheço. Eu, ao lado dela, o desejo de me esquecer e voar na direção do outro, dos outros. Eu, ao lado dela, uma enorme vontade de viver.

Tudo é de Deus, menos o pecado

Isto implica o esforço natural e necessário de conseguir e manter o amor: um decotezinho mais brejeiro, batom Anaconda de brilho, um puxadinho de nada a lápis crayon no cantinho dos olhos, fazer aquela cara que eu sei fazer, pondo minha alma todinha num certo modo de baixar e levantar os olhos, primeiro oblíquo, depois direto. 
Porque eu gosto da humanidade, em particular da representação masculina da humanidade. 
É muito divertido comerciar com os homens, estimulante como nenhuma outra coisa é. 
Eles ficam encantadores, querendo pegar a gente em falso. 
Isso o homem comum. 
Imagine os santos! 
Fico em estado de loucura, tentação tentada. 
Tem coisas que eu faço bem. 
Posso fazê-las mesmo? 
Tudo é de Deus, menos o pecado. 
Você que me escuta e tem coração maldoso, ri pra dentro pensando que eu sou fácil. 
Não sou. 
Eu sou muito pedregosa, caçadeira de chifre na cabeça de cavalo, caçadeira de indaca. 
Invez de casar e cuidar dos filhos, pôr espinafre moído na sopa deles pra eles ficarem fortes, pregar com linha dupla os botões na camisa do meu homem, eu fico teologando em latim, fico querendo um Romeu constantemente na minha janela, falando e tocando violão pra mim como se eu fosse a única mulher desta terra e a mais bonita, sem a qual homem algum pode viver. 
Ó meu Deus, no fundo é só isso mesmo que eu quero, é só por isso que tantas vezes uso Seu Santo Nome, em socorro do meu humano amor. 
É usá-lo em vão? 
Eu quero a santidade na reunião de literatos discutindo a metáfora. 
Eu pressinto que pode.

Em busca do tempo perdido vol. 5 - A Prisioneira

Aliás o amor é um mal incurável como aquelas diáteses em que o reumatismo só dá tréguas para ceder lugar a enxaquecas epileptiformes.
Tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar.

Setembro

Eu precisava de uma voz para me impedir de entrar em pânico. Você faz coisas estranhas quando se sente vazio por dentro.

A Montanha Mágica

Dizemos que esperar é demorado. Poderíamos igualmente – ou mais precisamente – dizer que é breve, pois consome espaços de tempo inteiros sem que os vivamos ou façamos uso deles.

A Traição das Elegantes

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil. 

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. 

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

Educação sentimental

Como era o seu nome, sua casa, sua vida, seu passado? Desejava conhecer os móveis de seu quarto, todos os vestidos que usara, as pessoas que frequentava; e até o desejo da posse física desaparecia sob um anseio mais profundo, uma curiosidade dolorosa que não tinha limites.

O vício da paixão

Compreender as consequências de nossos atos não é a mesma coisa que culpa. A culpa é inútil. A autoflagelação também. Mas ver que os seus atos tem consequências e que você tem as suas opções é outra história.

A Fantasia

Não existe criatura capaz de amar outra criatura tal como ela é. Pedimos ao nosso amado para se adaptar à fantasia que sobre ele projetamos. Talvez o auge do amor partilhado consista no furor dos parceiros em se transformar um ao outro segundo suas respectivas fantasias.

Meninas inventadas

Acho incrível as pessoas serem alegres. Será que são mesmo? A Rita, por exemplo. A mãe dela morreu num acidente horroroso, e ela viu. Cara, no lugar dela, eu ia ficar traumatizada. Ela ficou triste um tempo, mas passou. Ela quer ser alegre. Eu não.
Eu era feliz e não sabia. A minha vida foi um palco iluminado que, logo após a estréia, interrompeu o espetáculo. Eu não sei o motivo. Eu não queria que fosse assim. Mas a felicidade que tinha em mim sumiu. O mais estranho é que não tenho assunto para conversar. Então, não falo. Eu não quero falar.

Lavoura Arcaica

Ainda com meus olhos fechados, quando voltei a tatear na palha, Ana não estava mais ali. E eu que não sabia que o amor requer vigília. Não há paz que não tenha um fim, nem taça que não tenha um fundo de veneno.

Vontade de me apaixonar de novo

Vontade de me apaixonar de novo. Não sei se pelo mesmo. Ou pelo diferente.

A elegância do ouriço

E furtivamente que penso hoje em você; algumas semanas não dão a chave; não o conheço além do que você foi para mim; um benfeitor celeste, um bálsamo milagroso contra as certezas do destino. Podia ser diferente?

Alice

"Agora vou lhe dar uma coisa em que acreditar. Tenho precisamente cento e um anos e cinco meses e um dia" disse a rainha.

"Não posso acreditar nisso" respondeu Alice.

"Não?" Disse a rainha com muita pena. "Tente de novo: respire fundo e feche os olhos".

Alice riu. "Não adianta tentar" disse; "não se pode acreditar em coisas impossíveis."

"Com certeza não tens muita prática" disse a Rainha, "quando eu era da sua idade, sempre praticava meia hora por dia. Ora, algumas vezes já cheguei a acreditar em até seis coisas impossíveis antes do café da manhã."

domingo, 4 de março de 2012

Tornei-me escritor

[Tornei-me escritor] do mesmo jeito que uma mulher torna-se prostituta. Primeiro foi para me dar prazer, depois para agradar os amigos e, por fim, foi pelo dinheiro.

Conservava intacta a loucura do coração

Na espera havia perdido a força das coxas, a dureza dos seios, o hábito da ternura, mas conservava intacta a loucura do coração.

Arlington Park

Durante algum tempo, acalentou a ideia de uma casa, marido e filhos, como se essas coisas fossem raras, como se representassem algum novo refinamento da experiência humana. Então as obteve, e a sensação de chumbo começou a aumentar em suas veias, um pouco mais a cada dia.

Em busca do tempo perdido vol. 2 - À sombra das raparigas em flor

A amante lhe abrira o espírito ao invisível, pusera-lhe seriedade na vida, delicadezas no coração, mas tudo isso escapava à família em pranto, que repetia: "Essa desavergonhada ainda o matará e, enquanto isso, o desmoraliza".

Tradução de Mario Quintana

sexta-feira, 2 de março de 2012

A vida material

Jamais estive onde estaria à vontade, sempre estive a reboque, em busca de algum lugar, de um emprego de tempo, jamais me encontrei onde queria estar, exceto talvez (...) durante certos verões, numa certa tristeza feliz.

O inominável

Durante as suas ausências, eu tentava me recompor, esquecer o que ele tinha me dito, sobre mim, sobre meus males, males ridículos, dores descabidas, frente à minha verdadeira situação, palavra detestável.

Nem sempre

O que me interessa nem sempre é o que me importa.

Estrela nua

"Foi o começo de um romance banal. (...) E ele sussurrava "diga: nunca vou te deixar, nunca..." E eu respondia: "nunca, nunca..." Promessas sinceras, mas as palavras, você sabe, só têm importância no momento em que são ditas. (...) E saiu da minha vida como entrara: com flores e um cartão. Em resumo: nada muito original.

- A paixão tem que ser original?

- Não há nada muito original na paixão. As pessoas quase sempre fazem e dizem as mesmas coisas. Com pequenas variações.

- Em resumo: a paixão é perda de tempo.

- Perda de tempo é viver sem paixão".

A Chuva Pasmada

Dou-lhe um conselho, filho. Nunca diga que uma mulher foi sua. Essas são coisas para nós. mulheres, dizermos. Só nós sabemos de quem somos. E nunca somos de ninguém.

Coisas frágeis

(...) o mais perto que eu já tinha chegado de um computador foi quando comprei uma calculadora grande e cara, mas perdi o manual de instruções, portanto, não sabia o que ela fazia. Eu somava, subtraía, multiplicava e dividia, e dava graças a Deus por não precisar calcular senos, cosenos, tangentes ou usar funções gráficas, ou sei lá o que mais a engenhoca fazia...
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Vem e me leva outra vez para aquele país distante

[...] Então eu quero que você venha para deitar comigo no meu quarto novo, para ver minha paisagem além da janela, que agora é outra, quero inaugurar meu novo estar-dentro-de-mim ao teu lado… Vem para que eu possa acender velas na beirada da janela, abrir armários, mostrar fotografias, contar dos meus muitos ou poucos passados, futuros possíveis ou presentes impossíveis… Vem para que eu possa recuperar sorrisos, gritar, cantar, fazer qualquer coisa, desde que você venha, para que meu coração não permaneça esse poço frio sem lua refletida. Porque nada mais sou, além de chamar você agora… Porque não, porque sim, vem e me leva outra vez para aquele país distante onde as coisas eram tão reais e um pouco assustadoras dentro da sua ameaça constante, mas onde existe um verde imaginado, encantado, perdido. Vem, então, e me leva de volta para o lado de lá do oceano de onde viemos os dois.

Pequeno dicionário amoroso

- Na escola, a minha melhor matéria era matemática. Se tem uma coisa que eu entendo, é de números. por exemplo: neste planeta tem cinco bilhões de pessoas. Desses cinco bilhões, uns dois bilhões e quatrocentos milhões são homens. Daí, se eu tiver vinte e quatro namorados em toda a minha vida, uma média bem razoável, a chance de eu encontrar o homem mais perfeito do mundo para mim é de uma em cem milhões. Mais difícil que ganhar na loteria. É por isso que eu não acredito no amor.


Paulo Halm e José Roberto Torero

A tristeza é feia e quer casar [Silmara Franco]

Está no dicionário: Tristeza: [Do lat. tristitia.] S.f. 1. Qualidade ou estado de triste. 2. Falta de alegria. 3. Pena, desalento, consterna...